quinta-feira, 20 de março de 2008

As duras verdades da vida

Difícil não começar esse texto pelo caminho mais fácil. Há nela um sobrenome [e se pensar com carinho, dois...] e/ou uma história cabulosa. Motes perfeitos para justificar uma resenha "filho de peixe, peixinho é" ou "vamos todos rir da desgraça alheia!". Mas não.

Vamos pensar um pouco...

É acho que dá pra abrir uma terceira via. Ok, vamos lá.

---

Este é um disco que fala de amor. Este é um belo disco que fala de amor. Este é um belo disco que fala do amor como alimento da alma, mas também como veneno do corpo. Este é um disco que fala de alma, corpo, veneno, alimento, amores carnais e fraternais.




Este é um disco cheio de coisas. De letras, de sons, mas, fundamentalmente, um disco cheio de símbolos e significados.

Participante freqüente dos discos de sua mãe, Sean Lennon [filho dele e dela, sim] fez sua primeira aparição no mundo da música em 1981, mas só lançou um disco seu em 1998, o esquisito-bossa-eletrônico-super-cool Into the Sun, gravado junto com a sua namorada à época, Yuka Honda [Cibo Matto]. O cara foi elogiado, recebeu boas críticas, lançou um disco de remixes e alguns novidades no ano seguinte [o médio Half Horse, Half Musician], e caiu em um silêncio voluntário que durou sete anos.

Entretanto, sua opus magnum ainda não havia surgido. A verdadeira obra-prima de Sean Lennon veio em 2006, com o lançamento do disco Friendly Fire. Teríamos discos mais interessantes na praça se mais bandas valorizassem o silêncio como Sean. Neste segundo álbum, 90% dos tiros são certeiros. E para alguém que tem bala na agulha mas não faz tanta questão assim de apertar o gatilho, é um resultado fantástico.




Agora que a cortina foi aberta e já conhecemos os personagens desta resenha, vamos à história cabulosa que envolve o disco. Sean era um rapaz apaixonado. Muito apaixonado. Amava uma moça chamada Bijou Phillips. E Sean tinha um amigo, um grande amigo, um amigo chamado Max LeRoy. E Bijou e Max resolveram estreitar ainda mais os laços partindo para um affair de proporções beligerantes.

Fim do romance com Bijou, corte de relações com Max, dor de cotovelo eterna somada à morte repentina do amigo num acidente de moto, esse é o sumo de Friendly Fire. Sim, é verdade mesmo. Se esse disco fosse uma laranja, o suco proveniente dele teria amor, traição, dor e desprendimento, com um sabor acentuado de fel.

E isso Sean expõe muito bem ao longo de todo o álbum [e dos clipes elaborados em forma de história para algumas das faixas do disco]. Não é preciso muito esforço para entender que todas as chagas do relacionamento desfeito e da morte do amigo ainda estão presentes ali. Os arranjos são soturnos e em escalas menores [usando inclusive o famoso acorde apaixonado - o F#m], a voz é sussurrada, e as letras são um destaque impossível de ser ignorado. São as letras são doloridas, confidenciais, deliciosamente bregas e pungentes, muito pungentes.




E são muitas as sacadas durante o disco inteiro...

Em Dead Meat, Sean dispara: "Don't you know you're dead meat/You just messed with the wrong team"

Em Friendly Fire, Sean acusa: "You launched the assault with the first cannon ball/My soldiers were sleeping"

Em Parachutes, Sean indaga: "If life is just a dream then which of us is dreaming/And who will wake up screaming?"

Em Spectacle, Sean lamenta: "You said you would/But you never will change/You only do it if I do the same"

Em Tomorrow, Sean mente: "I promise to stop thinking of you constantly/and wishing i could wake up every morning next to you"

E é assim que Sean acredita que se pode expiar uma dor.



"Dead Meat" e entrevista em que Sean fala sobre a motivação do disco







A traição e perda na visão de Sean Lennon aqui.

quinta-feira, 13 de março de 2008

O que é que o paulista tem (Parte III)
Por Jader Pires
"E os novos baianos passeiam
Na tua garoa
E novos baianos te podem
Curtir numa boa..."



Tem aquela velha história que dizem que no Brasil, se plantando, tudo dá. A terra é boa, minha gente...a terra é boa.

Na música ocorre o mesmo.

O Brasil é o único (ou parte de um grupo muito seleto de países) que consegue absorver qualquer tipo de sonoridade que venha de qualquer parte do planeta e tornar genuinamente seu. O movimento antropofágico da década de 20 do século passado já prenunciava e a tropicália reafirmou a sentença de que aqui, quando o assunto é artes, se plantando, tudo dá.

Índios, negros árabes, judeus. Americanos querendo acabar com a ameaça de uma América comunista, CIA botando o dedo em assuntos de todos os países latino-americanos. Diversos fatores para entrada e saída de vivências tão diferentes nesse país que já se consagra detentor de uma diversidade incrível devido ao território imenso. São 26 estados e um distrito federal, cada qual com seus trejeitos cultivados através dos séculos, apimentados por colonizações diferentes, climas diferentes, momentos diferentes e importâncias diferentes contribuindo mais e mais para a climatização dessas culturas tão distintas.

O gaúcho colono, com seu poncho e seu amor pela região do Rio das Pratas. O carioca malandro, com seu terno branco e sua inseparável cerveja no bairro da Lapa. O mineiro "come-quieto", o nordestino sofrido do sertão. O frevo, a ciranda, o tecnobrega do Pará, o reagge do Maranhão (considerada a segunda Jamaica), o tango argentino, o jazz dos yankees, a cítara e o alaúde do oriente. Coisas de dentro, coisas de fora, coisas que se fundiram e viraram coisas e que não deixam de ser coisas intimamente brasileiras.



São Paulo hoje é a capital brasileira dos negócios e, na terra que um dia foi do café, hoje é da cultura. A cidade importa e exporta cultura que hoje é um dos comércios mais rentáveis que se pode haver. Dentro dessa máquina de fazer dinheiro que é o show business paulistano, há certos artistas que podemos chamar de "vírus". São pessoas que conseguem adentrar e usar a engrenagem cultural para fazer coisas sinceras e não tão rentáveis quanto superproduções cultivadas e desenvolvidas na metrópole.

O Projeto Cru usa a formação de um power trio de jazz. Nesse nipe jazzístico, um pianista, um baixista e um baterista formam a tríplice configuração para mandar notas tornas e improvisadas tão provocantes desse estilo musical. Simone Soul (bateria e percussão), Marcelo Monteiro (sopros diversos) e Alfredo Bello (baixo e tecnologia) se apropriam dessa formação para criar um estilo de som muito brasileiro, muito versátil e muito tribal. A absorção de diversos estilos e experimentações é total e plenamente aceitável pelos ouvidos. A brincadeira nos shows é constante e consistente, aplicando bases das canções gravadas no álbum homônimo (lançado em 2003) com improvisos que hora são agressivos, hora metódicos.

O que impera nas músicas do Projeto Cru é a brasilidade intensa, transcendendo divisas estaduais, quebrando a "paulistaniedade" e tornando-se "cidadãos do Brasil".



A canção Evolução (que abre o cd do grupo) é uma ambientação para se adentrar nessa mata fechada. Batidas incessantes e uma percussão que aguça a curiosidade, como se fosse um perfume de plantas exóticas que atraem a atenção para um sopro tranqüilo e bem traçado. Mundo Embolado já traz uma respiração de quem está à procura de um descampado pra abrir mais a mente. Quem ouve essa música recebe na letra dicas sobre o mundo, sobre a vida que não é tão simples quanto se parece, mas é mais deliciosa quando se tem uma outra percepção dela. Formigas, roseiras e asfalto se misturam com a batucada e a melodia nordestina que faz pessoas saírem saltitando na vegetação rasteira com os pés descalços. Quando retomamos o rumo com a canção Caminho, um baixo tocado com o arco chama novamente os sopros e começa a ser tocado com os dedos, bem grave, alternando as melodias ao longo da performance soando como a trilha de uma procura mais aguçada quando se embrenha novamente na mata densa de notas tortas e retorcidas. Daí pra frente conseguimos andar pelas florestas do norte do país, passando pelo sertão empoeirado e pelo cerrado castigado pelo calor. Atravessamos pastos de intensa movimentação da boiada e descansamos um pouco pelo litoral e as maravilhosas sonoridades da praia e do mar. Descemos com a intensidade do som até os pampas e retomamos o trajeto até firmar os pés no chão cinza de pedra e piche. É textura de todos os locais culminando na estética deliciosa e rica do trio que mostra que São Paulo não é o Brasil e o Brasil Não é São Paulo e que, na verdade, nada disso importa, pois a musica brasileira é rica em qualquer ponto sob qualquer circunstância.

É Brasil que não acaba mais e brasilidade até a alma!
Desvende os sons do Projero Cru aqui!

domingo, 9 de março de 2008

O que é que o paulista tem (Parte II)
Por Jader Pires


"E quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso"




E é assim mesmo que começa o primeiro álbum da banda Pedra Branca. Um vento suave e curto (na canção chamada Feixe de Luz) conduzindo a atenção para uma batida viva, um coração pulsando música, pulsando vontade, pulsando diversidade, pulsando serenidade e acompanhado de gemidos singelos e bem marcados. Uma cítara aparece e vai ao encontro das tablas e de uma voz melodiosa que nasceu dos gemidos e se tornou letra que reverencia o fato único que seria ver, à meia-noite, o Sol Brilhante (que é o título da segunda canção).

O projeto da banda Pedra Branca iniciou-se em 2001, com Luciano Sallum e Aquiles Ghirelli (esse mesmo, um dos vocalistas do Projeto Nave). Composições, gravações, shows dentro e, posteriormente, fora do estado, a adição de João Ciriaco no projeto (além de diversas participações nos vários dhows da banda, como as de Daniel Puerto Rico incrementando a percussão, Ana Eliza com sopros, San tocando baixo e diversas apresentações de dança contemporânea quando se faz necessário), dentre outros fatores, resultaram no álbum de mesmo nome, Pedra Branca em 2004. Em 2006 gravaram o segundo álbum intitulado Feijoada Polifônica e emprestaram alguns de seus sons para coletâneas de lounge e world music.



As músicas em sí de ambos os álbuns da banda resumem-se a enormes viagens com destinos indefinidos e trajetos diversos, dependendo do estado de espírito e da disponibilidade a abrir outros ouvidos no corpo e absorver cada instrumento, cada efeito eletrônico, cada voz que, com ou sem propósito de ter uma letra, tem um poder muito grande de prender a atenção.

E mais do que uma banda, a Pedra Branca é um produto. Produto industrializado na capital dos negócios, dos homens engravatados, do trânsito, da confusão de pessoas e de veículos públicos, de passeio, de carga, de trabalho, de sons que transtornam e tomam de assalto nossa paciência. A Pedra Branca é um produto necessário pra acelerar a fuga da realidade caótica e pra aliviar a agonia de um dia-a-dia em São Paulo. Não por estratégia, a Pedra não é um produto tangível com estampas e rótulos nas prateleiras. É um produto do meio, uma forma encontrada pela própria cidade para manter o equilíbrio e sustentar sua longevidade. Os músicos da Pedra Branca são instrumentos que usam instrumentos que usam o ar pra se propagar, deslizando por ondas calmas e bem definidas.



Junta o Oriente e o Ocidente numa brincadeira cheia de graça e textura. Mistura as batidas eletrônicas mais atuais com a hipnose da cítara e o zunido milenar do didjeridu aborígine, invocando novos e velhos espíritos a conhecer ainda as tablas tão fáceis de se identificar, todas as percussões que enchem o espaço e enriquecem cada faixa com nomes também bem convidativos, como Encontro Encantado, Kama Sutra (ambos do primeiro álbum), Metamusica e Território Ancestral (que compõem o segundo cd).

Uma visão tranqüila sobre uma banda que esbanja qualidade e criatividade. A experiência de ouvir e, mais ainda, entender a proposta das músicas é como a sensação de ver algo rotineiro, mas com outros olhos. Entender a mensagem da Pedra Branca é como redescobrir São Paulo, encontrar beleza nessa cidade e, ao olhar para alguma avenida ou reflexo das árvores nas janelas espelhadas dos prédios colados, soltar um sorriso sem perceber.




Sorria com os sons do Pedra Branca aqui!

segunda-feira, 3 de março de 2008

O que é que o paulista tem (Parte I)
Por Jader Pires


“Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João.”





São Paulo pode ser facilmente denominada como “Pangéia Cultural”. Bares, baladas, inferninhos, raves, botecos, bibocas e moquifos se fundem com teatros, restaurantes, lojas, cinemas, parques e galerias se confundindo e se maquiando em ruas, avenidas, alamedas, esquinas, praças, viadutos, passarelas e favelas, tornando-se “Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba/ mais possível novo quilombo de Zumbi”. Tudo está em São Paulo e todos querem São Paulo, ou “São Pã” como diria o diretor de teatro Zé Celso e, dentro desse universo criativo em forma de cidade, com um pouquinho de esforço na tentativa de desenvolver um olhar mais peculiar, podemos encontrar pérolas musicais das mais atrativas. Farei questão de compartilhar algumas delas.



O Projeto Nave iniciou-se no ano de 1997 com a proposta de expandir os horizontes e conhecer novas capacidades sonoras. Partindo dessas mesmas necessidades, Aquilez (Voz, electribe, escaleta e programações), Gralha (Voz, trompete, flugelhorn e escaleta), B8 (Toca-discos e Samples), Marcopablo (Guitarra), Alex Dias (Baixo) e Flávio Lazzarin (Bateria) decidiram juntar forças e talentos para formar O projeto. E como denominar esse projeto urbano e experimental? – Nave. Todos os integrantes da Nave tinham outros projetos na época (muitos ainda os tem) e a idéia inicial era a de brincar e misturar sonoridades. A grande proposta da banda é de testar ao máximo, pois como disse Aquilez “em termos de música, tudo já foi feito”. A banda tem a filosofia de que “A vida é um sampler”, então os integrantes se juntam e cada um expõe o que tem de melhor em suas experiências musicais e vivência urbana.

Com a Nave montada, a banda pôde se enfiar em todo tipo de local alternativo para divulgar suas músicas, experimentar variações ao vivo, ganhar público (Venceram o festival Skol Rock de 1999) e espaço no cenário musical paulistano. Mas a nave precisava de uma peça fundamental para ganhar a propulsão necessária para vôos mais estáveis.
Gravaram em 2004 um cd homônimo e independente, disponibilizaram as músicas na Internet em formato mp3 no site oficial da banda (http://www.projetonave.com/) e o álbum físico só seria lançado em 2005. São 12 faixas que sintetizam toda a brincadeira paulistana de mistura de estilos, gêneros, estados, sabores, culturas e propostas, uma vez q as gravações são feitas mais ou menos nos moldes de gravações de jazz, ou seja, no improviso. Mercado Industrial já aquece qualquer turbina, com um início eletrônico que guia a audição para um baixo e trompete suaves que quase são engolidos pela voz do vocalista Aquilez e suas rimas em espanhol. A nave alça vôo na canção Fora Das Órbitas jogando metais e guitarras de surf music em cima de uma bateria frenética. Garrafa Vazia dita o ritmo convulso e nos trás um riff potente e um groove enlouquecedor. As letras são curtas, visuais e de uma precisão cirúrgica. Frases pequenas e repetidas, que martelam reflexões inerentes à vida urbana e ao caos criativo e desordenado da maior cidade do hemisfério sul. Urbanóides e Sapatos Voadores sintetizam bem essa idéia ao relatar, respectivamente, a idéia de cidade e todo o stress urbano (“autos, que são móveis / humanos, que são nóides”), ou então as paranóias e a solidão que destorcem a realidade (“Ele está a caminhar de sapatos voa-dores / na mão, linda flores”).



De São Paulo para o mundo e do mundo para São Paulo. Essa é a viagem do Projeto Nave, que preza pela liberdade criativa e pela criatividade que liberta, participando com isso tudo da música regional paulistana (e você pensava que Sampa não tinha uma música genuinamente regional, hein?!). Desapegados a estilos e modismos, a banda trilha um caminho frenético e cumpre bem a sua missão: desbravar novos territórios sonoros e romper as barreiras dos sentidos, misturando sonoridade e visualidade em letras urbanas e de forte impacto, que se completam com um instrumental frenético, pulsante e inovador. Um projeto formado de integrantes competentes que se tornaram engenheiros da nave que sobrevoa o underground coletando e projetando músicas pra se ouvir, dançar, pensar e sentir (tudo isso com muito, mas muito estilo). Então, nada melhor que aproveitar a ausência de limites dessa Nave e aproveitar de modo único toda a sensibilidade múltipla que a nova música pode nos oferecer. Nada melhor que cair na noite paulistana e se deparar com esse emaranhado musical que nos permite voar alto, nos libertando também das velhas amarras comercias.



Sobrevoe com os sons do Projeto Nave aqui!