terça-feira, 6 de maio de 2008

Eu tô feliz que só a porra!
Por Jader Pires


Se Manuel Bandeira tivesse vivido o suficiente pra ouvir este último disco que estou prestes a resenhar, ele escreveria:

"A primeira vez que vi Siba
Achei que ele não tinha talento pra comandar a banda
Achei também que ele não se parecia em nada com o resto da banda.

Quando vi Siba de novo
Achei muita covardia fugir pro mato pra comandar uma banda daquelas
(Era como se tivesse perdido nas metrópoles e buscado colo no meio do nada)

Quando ouvi Siba não vi mais nada
Sua voz se misturou com o som da Fuloresta
E o espírito de sua poesia voltou a se mover sobre a face das boas recordações"
.





A frase do título foi dita pelo próprio Siba, na apresentação que aconteceu na última Virada Cultural em São Paulo. Fechando a bateria de shows do Palco Independente no Pátio go Colégio, o mestre cirandeiro pernambucano encantou e espantou cansaço e frustrações. Um show competente e recheado de canções deste tal último álbum: Toda Vez Que Eu Dou Um Passo, O Mundo Sai Do Lugar.

Voltando um pouco no tempo, Siba Veloso foi um dos fundadores do grupo Mestre Ambrósio, um dos expoentes incrustados no movimento Manguebeat que saiu de Pernambuco pro mundo na imagem de Chico Science e sua Nação Zumbi . Saiu tocando pela vida, morou em cidade grande (Recife e São Paulo), avistou no caminho um novo caminho e decidiu tomar novo rumo nas velhas tradições.

Nessa contramão, foi parar em Nazaré da Mata (interior de Pernambuco), topando com os músicos Biu Roque, Man�� Roque, Cosme Antônio, Roberto Manoel, Dyogenes Santos, Galego e Zeca e formaram a banda Fuloresta do Samba. Daí pra frente, foi só se desvincular das grandes idéias e recomeçar de baixo, montando e remontando as boas canções de rua da região da mata pernambucana. Lançou álbum de estréia em 2002 (intitulado Fuloresta do Samba) e em dezembro do ano passado colocou pra rodar o mais recente trabalho (já citado e com arte dos grafiteiros paulistanos Os Gêmeos).




A volta é completa. Nesse álbum não há misturas com elementos eletrônicos, não há letras que remetem vida urbana, não há tensões desnecessárias ou mensagens de uma visão macro. O retorno ao básico é cumprido à risca em sambas, cirandas, frevos, marchinhas e maracatus permeados de versos sinceros, moles, delicados. Os arranjos simples, compostos basicamente de sopros e percussão, dao um tom ainda mais poético e festivo.

O lirismo popular está presente em toda a poesia, narrando o cotidiano pequeno, mas não menos digno, do interior nordestino. Histórias são contadas e cantadas com metáforas e alfinetadas irônicas, inocentes e dançantes.

Na canção de abertura (Pisando em Praça de Guerra), o alerta é claro: "Esse nasceu tarimbado pra ser mestre cirandeiro". Em Cantar Ciranda, Siba explica o trabalho e a delícia de cumprir com propriedade seu destino de cirandeiro e conta com a participação da cantora Céu, que empresta toda a sua delicadeza pra contar a facilidade e a mesma delícia que é ouvir uma boa ciranda.

A música que cede nome ao trabalho divaga sobre o tamanho e a mobilidade do mundo, em confissões quase infantis e contexto intrigante. A canção Será protesta contra o fatídico dia em que pagaremos até pra respirar e exibe toda a simplicidade de um pensamento brilhante.

As outras participaïções são dos guitarristas Lucio Maia (Nação Zumbi) em Alados, que descreve a transformação da lagarta na bela borboleta "encantada e feminina" e Fernando Catatau (Cidadão Instigado) em Meu Time, que conta o infortúnio rebaixamento de um clube pra terceira divisão e toda a praga que pode ser rogada contra um juiz de futebol.

Pra lá de regionalista, João do Alto tem uma harmonia quase sacra e prepara o espírito pro final dúbio, a morte do tal João e a confissão da própria morte. Em A Velha da Capa Preta, temos um início fúnebre que logo é cortado por uma festança sem fim. Na última canção, Siba mistura fascínio e medo escrachado ao personificar a morte em suas andanças.






É graças a essa empreitada que a música tradicional nordestina vai dando seus passos e saindo do lugar, deixando seu casulo em Nazaré da Mata e se renovando em si mesma. É Graças a essa brincadeira que conseguimos perceber toda a beleza na simplicidade, toda a riqueza escondida e toda a perspicácia de se renovar naquilo que sempre esteve ali, exposto e aparentemente intocado. Só aparentemente...


Dê passos, saia do lugar e renove-se com o álbum do Siba e a Fuloresta aqui!.