quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O não travestido de sim e a mentira

A negação sincera, desprovida de pecado ou de más intenções, é libertadora. Há quem afirme que a sinceridade tem seus méritos, todos os méritos, mas a negação, aquela que abraça os fracos, os covardes, os reais, eu e você, é mais palpável do que a verdade extremada, do que a sinceridade crua.




Ida Maria, cantora e guitarrista norueguesa de 24 anos, finaliza seu primeiro disco, o interessante Fortress Round My Heart, negando. Em “See Me Through”, título sugestivo para quem teve criação católica, a jovem nega a existência de Deus, o mesmo personagem que ela clama logo na primeira faixa, a pesada “Oh My God”.

Nas dez faixas do álbum lançado em 2007, Maria parece, contraditoriamente, imergir para um poço de sinceridade, de verdade, de transparência. “You think I’m in control?” é o que ela diz na primeira faixa, quando clama pela atenção de Deus. Mas que dualidade é esta que toma conta da expressão artística de uma menina de 24 anos?

Ora, é simples: esta é a dualidade presente em qualquer jovem ou artista, com mais ou menos 24 anos. É a dualidade de quem pensa muito, não somente por que tem muitas dúvidas e perguntas, mas principalmente por que os pensamentos fluem em torrente. E essa cachoeira que jorra incessantemente da boca de Ida Maria traduz as angústias comuns [mas nunca triviais] de quem pensa muito. E perceba: muito não é demais.




As temáticas das canções da norueguesa, cujo timbre de voz lembra uma Feist menos meiga e mais urgente, passeiam entre as inseguranças em relação ao mundo, como na já citada “Oh My God” e em “Keep Me Warm”. Esta última também resvala num outro tema caro à artista, o amor. São várias as referências a este sentimento tão vil e avassalador. Parece piegas falando assim, mas negue se tiver coragem. “Drive Away My Heart”mescla o amor com a entrega total e voluntária, “Louie” trata o sentimento na ponta da unha, com ironia e cara de pau, “Stella” pergunta se você está mesmo disposto a amar e “Queen of the World”, escancarando as mazelas da insegurança [sim, ela novamente].

“I Like You So Much Better When You're Naked”, minha canção preferida no disco, trata da insegurança [recorrente, não?] e tem título auto-explicativo. A melhor solução para dar fim ao frio no estômago, ao escapulir das palavras, ao vício provocado é a libertação do que se veste. Ida sabe e propaga isso, mesmo que sem entender com um cara apenas "kind of sexy" consegue deixá-la tão nervosa.




O que mais me desperta emoção no álbum de Ida Maria não é a pegada que algumas músicas têm, ou a confidência nas letras. É a dualidade. Confessar não é o suficiente quando se tem 24 anos ou se é artista ou se ama ou se mente. É preciso ser duo, dois, vários, uma contradição atrás da outra. Não, isso não é uma regra. Mas dentro do jeito natural com que Ida Maria diz certas coisas, fica até com cara de que seja.




Este disco está disponível aqui

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Não quero mais ouvir o "Beep Beep"
Por Jader Pires




Parece até desenho animado. E o pior é que todo mundo cai na armadilha. Público e crítica ficam presos a cordas estrategicamente amarradas em árvores ou em grandes mandíbulas de ferro que se fecham ao pisar. Só faltavam algumas minas ACME na frente de um pedaço suculento de carne pintado na parede.

O Coldplay nunca foi a maior banda do planeta e nunca tentou ser. Então, como isso acabou virando uma verdade absoluta quando se fala da banda? – blábláblá de gravadora.

Estamos nos tempos em que artistas como Madonna, Radiohead, Smashing Pumpkins e muitos outros não renovam mais contratos para seguir uma carreira mais livre (e lucrativa, por que não!?), e é mesmo de se enaltecer o privilégio de ter uma banda desse calibre que faz questão de admitir publicamente que não quer se desvincular do formato clássico de contrato, produtor, publicidade, compromisso de três álbuns em cinco anos e clipes para cada single. Por isso o termo “a maior banda do planeta” é martelado em nossas cabeças e acabamos por tornar erroneamente a alcunha como verdadeira.


Mas não continuem se enganando. O argumento acima não serve de proteção para o grupo britânico que lançou há pouco o álbum Viva la Vida or Death and All His Friends, sucessor do espancado X&Y (2005). Todo mundo sabe que Chris Martin é um picareta que queria ser chato como Noel Gallagher e feio como Thom Yorke, mas não consegue ser genial como nenhum dos dois. Segue com afinco as premissas de um rockstar do século XXI: Vegetariano, não bebe e não fuma, adotou uma causa social para lutar (o movimento social Fair Trade) e só bate em paparazzi (afinal, quem não bateria em um?!). Picareta sim, mas com talento.

O problema todo é que com esse papo de melhor banda do planeta, o Coldplay não só passou pelo desafio do segundo álbum, como apanhou feio no lançamento do terceiro, e terá que segurar as pontas no lançamento do quarto e do quinto e do décimo nono. Enquanto o apelido criado pela gravadora não desaparecer, a banda vai sempre queimar na fogueira da inquisição musical.

Viva la Vida... é um álbum bom. A produção de Brian Eno (aquele mesmo que jogou o U2 lá no alto nos anos 80) não livra a cara como todos esperavam, mas tem ótimos momentos.






Life in Technicolor e Lovers In Japan são contentes e se distanciam um pouco do que a banda usualmente compõe. A dobradinha Cemeteries of London e Lost! Tem arranjos menos distintos e melodias típicas de mr. Chris Martin, enquanto as músicas que dão nome ao álbum, Viva La Vida e a excelente Death and All His Friends fazem valer pelo menos uma primeira audição. O Álbum vai ganhando e perdendo qualidade com a alternância entre canções que estão mais soltas daquela velha fórmula de compor do quarteto e canções que soam como um Coldplay requentado, mantendo uma tradição que pode se dar como enfadonha, como em 42 (em alguns momentos) e o primeiro single, Violet Hill.

Talvez o Coldplay esteja num caminho de redenção e pode voltar a ser uma ótima banda, com composições cada vez mais livres e com a mesma intensidade dos dois primeiros álbuns. Na revista Rolling Stone de Julho último (nº 22, pág. 84), Chirs Martin diz em uma entrevista que o verso “i don’t want a cycle of recycled revenge” (“não anseio por um ciclo de vingança reciclada”) foi criada e inserida na canção Death and All His Friends por Brian Eno, numa brecha que a letra tinha na época de gravação.

Talvez, antes de conceber por definitivo essa frase, Brian Eno pode ter dado a maior dica que a banda pode ter recebido: “I like you guys, but i don’t want a cycle of recycled Coldplay songs” (“Eu gosto de vocês, mas eu não anseio por um ciclo de músicas recicladas do Coldplay”).









Talvez as inúmeras marteladas na cabeça desde 2005 tenham esbugalhado os olhos do grupo. Talvez o Coiote esteja montando uma nova armadilha na caça do Papa-léguas, ao invés de sempre correr e correr até cair no mesmo erro, quero dizer, precipício. Fiuuuuuuuuu...........(puf)!

Ouça a diferença (ou não) do novo álbum do Coldplay aqui!