segunda-feira, 18 de junho de 2007

O poder da voz de Gal


Bicho cara doido... Vou começando a coluna assim assim de maneira meio desconexa, vou lembrando de como esse som que eu comento hoje caiu nas minhas mãos (o amigo Igor Cordeiro, nas suas chafurdações, achou essas pérolas), das coisas todas que eu quero falar sobre esse disco, que depois de tanto tempo (pois lá se vão longos 36 anos desde o seu lançamento), permanece, não só atual, mas muy cativante. Por que não basta ser bom, tem que cativar.

Eu estou falando do disco 'Gal Costa', da mesma, que foi lançado nos distantes anos de 1969, pela Philips. Menina baiana nascida nas terras soteropolitanas, Gal recebeu incentivo do seu velho pai cantar e foi cantando em festas e onde mais dava. A virada veio em 1963, quando Gal Costa esbarrou nos manos Caetano e Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé. Foi a 'revelação'. Desse esbarrão surgiu um show chamado 'Nós, por Exemplo', que foi providencial para a ida da patota para Sampa, a 'melhor cidade da América do Sul', onde as coisas 'começaram a acontecer'.

O primeiro compacto da moça Gal foi em 1965, com canções de Gilberto Gil e Caetano. Em 1967 gravou o álbum 'Domingo' com Caetano e logo depois o primeiro álbum-solo, em 1968, chamado 'Gal', que há de ser comentado futuramente nessas linhas. Como a história nos lembra, em 1969 Gil e Caetano estavam no exílio e Gal se ligou a outras figuras do movimento tropicalista, como Jards Macalé. Foi então que nasceu o álbum do qual falo nessa coluna. Um detalhe chato da carreira de Gal é que depois de 1979 ela entra numas de ser mais comercial e perde todo (ou quase todo) o experimentalismo que chocava tanto nos outros discos.

A primeira canção desse disco é a ótima 'Cinema Olympia', que de cara dá o tom do álbum todo. Não há normalidade pré-definida. "Não quero mais essas tardes normais", berra incrivelmente alto e agudo a jovem Gal Costa. E é verdade. Musa da Tropicália, Gal cantou muitas coisas que não são compreendidas de início, que iam contra as tardes normais da ditadura. Esse é um dos pontos que também surpreendem nas primeiras audições de Gal. Ela grita muito, com muita vontade, tesão e técnica. Nada daqueles gemidinhos e sussurrinhos da década de 80. Viva o experimentalismo da Tropicália. Os solos de guitarra que abrem a canção, acompanhados por um baixo 'nervoso' dava só uma idéia do rock/baião/baladas e outras experimentações mil, feitas em estúdio. Outro ponto alto dessa canção é o duelo voz X guitarra. Coisa só comparável a Ian Gillan e Robert Plant.

Das canções que Gal mostra nesse disco, nenhuma é de Gal. Mas as participações são muitas. Ben Jor, Caetano, Jards e Gilberto Gil. Nomes que ajudaram a criar a base onde a jovem Gal poderia se firmar. De Gilberto Gil ela canta 'Cultura e Civilização', na qual ela contesta tudo ('A cultura e a civilização, elas que se danem, ou não'). 'País Tropical', cantada junto com Caetano e Gil emociona, pela leveza e jogo de vozes. 'Com Medo, Com Pedro' mostra uma Gal disposta a ganhar o mundo grande, independente dos perigos que ele traga ('Deus me livre de ter medo agora, depois que eu já pus os pés no mundo'). Em 'Meu Nome é Gal', a moça vai cantando o amor livre, tão em voga naquela época ('E não faz mal que ele não seja branco, não tenha cultura, de qualquer altura eu amo igual. [...] não me importa que ele não tenha sobrenome, pois é o amor que faz o homem').

Mas tem mais. Muito mais. O bom é ver que Gal não foi sempre pop/comercial, mas que um dia teve (e deve ainda ter) um pouco de loucura na garganta pulsando para sair. Gal tem suingue, ou teve, e a gente fica naquela de pensar 'por que raios ela deixou de cantar assim?'. Mas não dá pra pensar assim. São coisas da sina do artista se satisfazer também. O bom é que antes de mudar ela deixou esse álbum tão sincero e pulsante.

Gal Costa - Gal Costa

Cinema Olympia
Tuareg
Cultura e civilização
País tropical
Meu nome é Gal
Com medo, com Pedro
The empty boat
Objeto sim, objeto não
Pulsars e quasars

Coluna originalmente publicada no Jornal O DIA, no Caderno Torquato de 28.06.05

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