Não me leve a mal, me leve a sério
O tempo nos rói a carne aos poucos. Mas não pára. O roque-roque-roque está lá, constante e inerente à nossa condição de ser vivo. A lição dos tempos de escola não cessa de ecoar: nascer, crescer, desenvolver-se, amadurecer, reproduzir-se (ou não), envelhecer e morrer.
Artistas, essa gente que varia em outra freqüência, estão debaixo do mesmo guarda-chuva, mas, no entanto, têm sua obra para ser admirada depois que o processo se encerra. Quanto mais prolífico é o sujeito, mais há para ser visto, lido, ouvido, absorvido. Em outro artigo nesse mesmo Calo na Orelha já foi desenvolvida uma teoria a respeito do caráter humilhante da extensa obra de Chico Buarque. Aqui, no entanto, estaremos focados na última obra recheada de inéditas do músico.

Carioca é um disco de 2006 que traz um Chico encarando o ciclo natural e a evolução do homem e do artista que é. Famoso, dentre outras coisas, por sua capacidade de expressar o “eu” feminino com a exatidão e profundidade que poucos alcançaram dentro da música popular brasileira, encontramos nesse Carioca um artista certo da sua idade e disposto a mostrá-la na sua essência, sem entremear suas letras com saudosismos ou dramas baratos, nem esconder de seus arranjos que os tempos são outros. Tal como foi escrito, arranjado e gravado, vemos no disco de Chico uma sinceridade pura (assumindo que cada um enxerga as coisas e as interpreta a seu modo).
Chico tem 64 anos e canta e escreve nesse disco como alguém que tem, vive, assume e, não há dúvidas, gosta de ter 64 anos. Versos e mais versos deixam isso claro durante toda a execução do álbum quando se assume essa linha de raciocínio, mas a idéia se firma em Bolero Blues, quando o sambista canta “quando eu ainda estava moço, algum pressentimento me trazia volta e meia por aqui/Talvez à espera da garota que naquele tempo andava longe, muito longe de existir”.

Essa impressão é reforçada e transmite a atualização de Chico perante os assuntos do mundo já na abertura do álbum, em “O Subúrbio”, em que Chico lista bairros do subúrbio carioca e assume que não apenas o samba, embora este não esteja esquecido, mas que outros ritmos e expressões já traduzem – concomitantemente – os anseios e prazeres daqueles que lá vivem. “Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção/Traz as cabrochas e a roda de samba/Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae/Teu hip-hop/Fala na língua do rap” é, antes de falar apenas do subúrbio, como limita a letra, uma declaração de que o “mesmo com todo o rock” não precisa mais ser tão xiita, se é que um dia foi…
Para além disso, do frescor das temáticas das letras (que falam em maconha, peitinho, bundinhas, parking, shopping center…), e de alguns arranjos trazendo pequenos e curiosos riffs de guitarra, temos um Chico mantendo a tradição do bom uso da língua e do seu vocabulário e utilizando ainda o violão amigo, o pandeiro, o cavaco e orquestrações (às vezes exageradas).
Carioca é um disco que faz pensar na seguinte situação: um homem, que viveu sob holofotes durante a vida inteira, que se dedicou à poesia, seja por fardo do destino, seja por exercício do ser humilhador, que dissecou os sentimentos e carnes da mulher com a aprovação dela, chega à maturidade com elegância e assumindo outra perspectiva, dando vazão à veia artística com muito mais sinceridade do que se firmasse seus pés num tradicionalismo desnecessário. É como ele mesmo fala em Leve: “Me leve a sério/Passou este verão/Outros passarão/Eu passo”.
Na mesma canção, dedilhada ao violão e com uma marimba ao fundo, ele pede “não se esqueça depressa de mim, sim?”, o que reforça o amor como bicho traiçoeiro, em que época e idade que seja.

Chico se renova em discurso e agrega temas às suas expressões mais clássicas, metendo um sample de sua voz, as já citadas guitarras, as palavras pouco usuais no seu discurso de rapaz inteligente e maroto, sem nunca deixar de falar do que ele bem sabe, que são os amores, as pessoas, as gentes, as relações. Chico encontra um jeito de costurar admiração, saudade, tesão e ironia num disco que não é de seus melhores (a produção lapidada não consegue esconder momentos em que sua voz fraqueja – não pela idade, mas sim pelas suas limitações como cantor), mas que não faz feio, e passa longe disso, a nada que ele já tenha feito.
Talvez o maior préstimo (provavelmente inconsciente e arbitrário) desse álbum é mostrar que envelhecer quase nunca é ruim, se se soube aproveitar todo o processo que o antecede. Chico demonstra que o fez e não deixa dúvidas sobre o quanto ainda quer aproveitar.
O tempo nos rói a carne aos poucos. Mas não pára. O roque-roque-roque está lá, constante e inerente à nossa condição de ser vivo. A lição dos tempos de escola não cessa de ecoar: nascer, crescer, desenvolver-se, amadurecer, reproduzir-se (ou não), envelhecer e morrer.
Artistas, essa gente que varia em outra freqüência, estão debaixo do mesmo guarda-chuva, mas, no entanto, têm sua obra para ser admirada depois que o processo se encerra. Quanto mais prolífico é o sujeito, mais há para ser visto, lido, ouvido, absorvido. Em outro artigo nesse mesmo Calo na Orelha já foi desenvolvida uma teoria a respeito do caráter humilhante da extensa obra de Chico Buarque. Aqui, no entanto, estaremos focados na última obra recheada de inéditas do músico.
Carioca é um disco de 2006 que traz um Chico encarando o ciclo natural e a evolução do homem e do artista que é. Famoso, dentre outras coisas, por sua capacidade de expressar o “eu” feminino com a exatidão e profundidade que poucos alcançaram dentro da música popular brasileira, encontramos nesse Carioca um artista certo da sua idade e disposto a mostrá-la na sua essência, sem entremear suas letras com saudosismos ou dramas baratos, nem esconder de seus arranjos que os tempos são outros. Tal como foi escrito, arranjado e gravado, vemos no disco de Chico uma sinceridade pura (assumindo que cada um enxerga as coisas e as interpreta a seu modo).
Chico tem 64 anos e canta e escreve nesse disco como alguém que tem, vive, assume e, não há dúvidas, gosta de ter 64 anos. Versos e mais versos deixam isso claro durante toda a execução do álbum quando se assume essa linha de raciocínio, mas a idéia se firma em Bolero Blues, quando o sambista canta “quando eu ainda estava moço, algum pressentimento me trazia volta e meia por aqui/Talvez à espera da garota que naquele tempo andava longe, muito longe de existir”.
Essa impressão é reforçada e transmite a atualização de Chico perante os assuntos do mundo já na abertura do álbum, em “O Subúrbio”, em que Chico lista bairros do subúrbio carioca e assume que não apenas o samba, embora este não esteja esquecido, mas que outros ritmos e expressões já traduzem – concomitantemente – os anseios e prazeres daqueles que lá vivem. “Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção/Traz as cabrochas e a roda de samba/Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae/Teu hip-hop/Fala na língua do rap” é, antes de falar apenas do subúrbio, como limita a letra, uma declaração de que o “mesmo com todo o rock” não precisa mais ser tão xiita, se é que um dia foi…
Para além disso, do frescor das temáticas das letras (que falam em maconha, peitinho, bundinhas, parking, shopping center…), e de alguns arranjos trazendo pequenos e curiosos riffs de guitarra, temos um Chico mantendo a tradição do bom uso da língua e do seu vocabulário e utilizando ainda o violão amigo, o pandeiro, o cavaco e orquestrações (às vezes exageradas).
Carioca é um disco que faz pensar na seguinte situação: um homem, que viveu sob holofotes durante a vida inteira, que se dedicou à poesia, seja por fardo do destino, seja por exercício do ser humilhador, que dissecou os sentimentos e carnes da mulher com a aprovação dela, chega à maturidade com elegância e assumindo outra perspectiva, dando vazão à veia artística com muito mais sinceridade do que se firmasse seus pés num tradicionalismo desnecessário. É como ele mesmo fala em Leve: “Me leve a sério/Passou este verão/Outros passarão/Eu passo”.
Na mesma canção, dedilhada ao violão e com uma marimba ao fundo, ele pede “não se esqueça depressa de mim, sim?”, o que reforça o amor como bicho traiçoeiro, em que época e idade que seja.
Chico se renova em discurso e agrega temas às suas expressões mais clássicas, metendo um sample de sua voz, as já citadas guitarras, as palavras pouco usuais no seu discurso de rapaz inteligente e maroto, sem nunca deixar de falar do que ele bem sabe, que são os amores, as pessoas, as gentes, as relações. Chico encontra um jeito de costurar admiração, saudade, tesão e ironia num disco que não é de seus melhores (a produção lapidada não consegue esconder momentos em que sua voz fraqueja – não pela idade, mas sim pelas suas limitações como cantor), mas que não faz feio, e passa longe disso, a nada que ele já tenha feito.
Talvez o maior préstimo (provavelmente inconsciente e arbitrário) desse álbum é mostrar que envelhecer quase nunca é ruim, se se soube aproveitar todo o processo que o antecede. Chico demonstra que o fez e não deixa dúvidas sobre o quanto ainda quer aproveitar.
Você pode encontrar esse disco aqui.
Este artigo foi publicado originalmente no Amálgama.
Na minha cabeça Chico nunca vai envelhecer, vai ter sempre esse charme que eu me recuso a entender, e com músicas que eu entendo, mas as vezes queria não entender.
ResponderExcluirAdorei o texto e o disco. :D
Eu nao te levo a serio...
ResponderExcluirEis, uma pessoa que nunca escrevinha!!!
Tu es iluminado!!!
Jader, o Augusto
Beijos grande