Surdo-mudo-cego, rei do pinball e futuro messias. Vai encarar?
Ok. Vamos dizer que música combina tudo. Pizza, pancadaria, sexo, livros, games, quadrinhos, e [obviamente] cinema. Porém, nesse último caso, as coisas nem sempre são como deveriam ser. Nem sempre um filme musical consegue passar a energia da música [ou do músico] e seu ritmo, transformando esta experiência em algo bem decepcionante.
E é justamente isto o que acontece com o filme Tommy (1975), dirigido e roteirizado por Ken Russel, uma versão cinematográfica da “ópera rock” de mesmo nome, de 1969, da banda inglesa The Who - Pete Townshend, líder-guitarrista-narigudo que adora quebrar instrumentos carinhosamente na caixa de som, Roger Daltrey, um ótimo vocalista [mas perdido entre seus rivais de outras bandas], John Entwistle, o baixista zen [ele manda bem, mas é puro picolé de chuchu], e Keith Moon, literalmente a versão humana do chapeleiro maluco com baquetas [ele só se aquetou quando matou atropelado, sem perceber durante uma confusão, seu motorista – caiu na depressão e se curou com uma boa overdose, em 1978].
Mas antes de ir pro filme, melhor explicar um pouco de suas origens. Um pouco antes de 1969, a banda tinha finalmente conquistado prestígio no mundo [ou seja, no mercado norte americano xD, com o single “I Can See for Miles”]. Crítica e publico adoravam o misto da banda de endiabrados com garotos cabeças [através da voz de Pete Townshend em entrevistas]. Com o barco andando em bons ventos, eis que surge todo aquele lance clichê do sucesso [especialmente naquele tempo], drogas, perda de identidade, mais drogas, o lance de culto pop, e mais drogas ainda.
Nessa celoura toda, naquele lance de pop-star com peso na consciência, imaginem onde o líder da banda procura ajuda? - Uma jujuba pra quem adivinhar. Ora bolas, num guru espiritual [outro clichê]. Pete limpa seu corpo dos ácidos e se engraça com os ensinamentos do místico indiano Meher Baba, que defende o desligamento do corpo com as cousas da terra para poder se iluminar e compreender deus [olha, outro clichê!].
É deste ponto-nodal que cresce toda concepção que conduziria o mais expressivo trabalho da banda, Tommy. A premissa de Pete era criar uma ópera rock que narrasse a saga de um garoto que fica surdo-mudo-cego [desligado do mundo] após presenciar a morte do amante da mãe, Nora Walker, pelas mãos de seu pai, o capitão Walker. Por aí vai até seu estranho sucesso como jogador de pinball [!], e finalmente curado de sua mazela para virar uma entidade messiânica [o cara compreendeu deus enquanto tava deficiente. Sacaram?].
Esquecendo um pouco da história, o álbum foi um marco técnico e conceitual para seu tempo. Lançado em LP duplo, o som extraído pelo The Who era algo completamente alheio ao que eles executavam. Uma salada do velho hard-rock com progressivo. Até hoje Tommy é recordado com ótimas críticas rasgadas, um marco para a banda e pro rock [eu pessoalmente não ouvi, só conheço as mais famosas].
Bem, e o filme? É... A versão cinematográfica sofreu uma breve adaptação, tanto de roteiro como de sonoridade, mas nada sério. Na película, o capitão Walker é morto pelo amante e Tommy nunca conhece seu pai, além de algumas letras de músicas. Mas o problema mesmo, é que o filme não desce!
A história, meio psicodélica e surrealista, ganha um tom meia boca demais na visão do diretor Ken Russel. A coisa começa fria, quase congelada graças à trilha sonora morna, mas que felizmente melhora no decorrer do filme, salvo pela qualidade das últimas músicas [afinal, John Entwistle, que interpreta nosso herói, finalmente deixa de ser mudo e a gente esquece das dublagens e atuações sofríveis de alguns personagens].
O filme chega a ter momentos interessantes e bem críticos na sua mensagem, como na parte de adoração a Marilyn Monroe, cena censurada no Brasil na época [trazendo como padre o Eric Clapton], no clipe de Pinball Wizard [com Elton John] e a participação de Tina Tuner como uma prostituta junkie. O resto do filme varia entre cenas extremamente desinteressantes, que com certeza ficariam melhor nas mãos de alguém melhor no roteiro e direção. O conceito cinematográfico que sustenta o filme é completamente defasado e pouco inventivo, sinceramente já vi obras surrealistas melhores e surpreendentes.
O que realmente salva o filme é o conteúdo de suas mensagens: consumismo, adoração pop, drogas, incomunicabilidade, religião, guerra e mais drogas. Temas os quais são herança do álbum Tommy, e como aconteceu com este, o filme também foi superbem recebido, ganhando um Globo de Ouro de melhor atriz, pela atuação de Ann-Margret [que se deu muito bem como mãe de Tommy], e duas indicações ao Oscar [melhor atriz e trilha sonora].
Há quem ainda hoje adore este filme, como algo original e ousado. Por mim, ele poderia ter sido tudo isso naquela época, ou até o filme The Wall do Pink Floyd ser lançado em 1982. Atualmente, ele já anda meio datado. Mas, o álbum que deu origem ao filme não deixa de ser um clássico. O bom mesmo é assisti-los ao vivo, e lembrar quem popularizou o quebra-quebra de instrumentos em cima do palco [Porque você acha que Hedrix queimou sua guitarra em Woodstock? Pra deixar Pete fulo das calças por não ter pensado nisso antes! Pelo menos é o que diz a lenda...].
Texto por Dario Mesquita
Ok. Vamos dizer que música combina tudo. Pizza, pancadaria, sexo, livros, games, quadrinhos, e [obviamente] cinema. Porém, nesse último caso, as coisas nem sempre são como deveriam ser. Nem sempre um filme musical consegue passar a energia da música [ou do músico] e seu ritmo, transformando esta experiência em algo bem decepcionante.
E é justamente isto o que acontece com o filme Tommy (1975), dirigido e roteirizado por Ken Russel, uma versão cinematográfica da “ópera rock” de mesmo nome, de 1969, da banda inglesa The Who - Pete Townshend, líder-guitarrista-narigudo que adora quebrar instrumentos carinhosamente na caixa de som, Roger Daltrey, um ótimo vocalista [mas perdido entre seus rivais de outras bandas], John Entwistle, o baixista zen [ele manda bem, mas é puro picolé de chuchu], e Keith Moon, literalmente a versão humana do chapeleiro maluco com baquetas [ele só se aquetou quando matou atropelado, sem perceber durante uma confusão, seu motorista – caiu na depressão e se curou com uma boa overdose, em 1978].
Mas antes de ir pro filme, melhor explicar um pouco de suas origens. Um pouco antes de 1969, a banda tinha finalmente conquistado prestígio no mundo [ou seja, no mercado norte americano xD, com o single “I Can See for Miles”]. Crítica e publico adoravam o misto da banda de endiabrados com garotos cabeças [através da voz de Pete Townshend em entrevistas]. Com o barco andando em bons ventos, eis que surge todo aquele lance clichê do sucesso [especialmente naquele tempo], drogas, perda de identidade, mais drogas, o lance de culto pop, e mais drogas ainda.
Nessa celoura toda, naquele lance de pop-star com peso na consciência, imaginem onde o líder da banda procura ajuda? - Uma jujuba pra quem adivinhar. Ora bolas, num guru espiritual [outro clichê]. Pete limpa seu corpo dos ácidos e se engraça com os ensinamentos do místico indiano Meher Baba, que defende o desligamento do corpo com as cousas da terra para poder se iluminar e compreender deus [olha, outro clichê!].
É deste ponto-nodal que cresce toda concepção que conduziria o mais expressivo trabalho da banda, Tommy. A premissa de Pete era criar uma ópera rock que narrasse a saga de um garoto que fica surdo-mudo-cego [desligado do mundo] após presenciar a morte do amante da mãe, Nora Walker, pelas mãos de seu pai, o capitão Walker. Por aí vai até seu estranho sucesso como jogador de pinball [!], e finalmente curado de sua mazela para virar uma entidade messiânica [o cara compreendeu deus enquanto tava deficiente. Sacaram?].
Esquecendo um pouco da história, o álbum foi um marco técnico e conceitual para seu tempo. Lançado em LP duplo, o som extraído pelo The Who era algo completamente alheio ao que eles executavam. Uma salada do velho hard-rock com progressivo. Até hoje Tommy é recordado com ótimas críticas rasgadas, um marco para a banda e pro rock [eu pessoalmente não ouvi, só conheço as mais famosas].
Bem, e o filme? É... A versão cinematográfica sofreu uma breve adaptação, tanto de roteiro como de sonoridade, mas nada sério. Na película, o capitão Walker é morto pelo amante e Tommy nunca conhece seu pai, além de algumas letras de músicas. Mas o problema mesmo, é que o filme não desce!
A história, meio psicodélica e surrealista, ganha um tom meia boca demais na visão do diretor Ken Russel. A coisa começa fria, quase congelada graças à trilha sonora morna, mas que felizmente melhora no decorrer do filme, salvo pela qualidade das últimas músicas [afinal, John Entwistle, que interpreta nosso herói, finalmente deixa de ser mudo e a gente esquece das dublagens e atuações sofríveis de alguns personagens].
O filme chega a ter momentos interessantes e bem críticos na sua mensagem, como na parte de adoração a Marilyn Monroe, cena censurada no Brasil na época [trazendo como padre o Eric Clapton], no clipe de Pinball Wizard [com Elton John] e a participação de Tina Tuner como uma prostituta junkie. O resto do filme varia entre cenas extremamente desinteressantes, que com certeza ficariam melhor nas mãos de alguém melhor no roteiro e direção. O conceito cinematográfico que sustenta o filme é completamente defasado e pouco inventivo, sinceramente já vi obras surrealistas melhores e surpreendentes.
O que realmente salva o filme é o conteúdo de suas mensagens: consumismo, adoração pop, drogas, incomunicabilidade, religião, guerra e mais drogas. Temas os quais são herança do álbum Tommy, e como aconteceu com este, o filme também foi superbem recebido, ganhando um Globo de Ouro de melhor atriz, pela atuação de Ann-Margret [que se deu muito bem como mãe de Tommy], e duas indicações ao Oscar [melhor atriz e trilha sonora].
Há quem ainda hoje adore este filme, como algo original e ousado. Por mim, ele poderia ter sido tudo isso naquela época, ou até o filme The Wall do Pink Floyd ser lançado em 1982. Atualmente, ele já anda meio datado. Mas, o álbum que deu origem ao filme não deixa de ser um clássico. O bom mesmo é assisti-los ao vivo, e lembrar quem popularizou o quebra-quebra de instrumentos em cima do palco [Porque você acha que Hedrix queimou sua guitarra em Woodstock? Pra deixar Pete fulo das calças por não ter pensado nisso antes! Pelo menos é o que diz a lenda...].
Texto por Dario Mesquita
4 Comentários:
Pow cara, texto ta mto show, vou dar uma conferida nesse ai...vlw!!
abraço!!
Concordo em grande parte. Sempre fui contra a quebra de instrumentos e a falsa ruptura de paradigmas praticadas por algumas bandas ou artistas em específico por pura falta do que fazer ou saber mesmo... muito válida essa contribuição para nos colocar a par disso!
Fala Dario...Muito legal a observação que tu faz sobre o messianismo presente no filme, bem como a sua inspiração...É bom lembrar que no final dos anos 60 os Beatles também procuraram refúgio espiritual num guru. O final fatídico todos nós conhecemos. Apesar de todos os clichês que tu apontaste (e que eu concordo plenamente com todos), eu acho que ainda assim vale a pena assistir ao filme. A cena da "missa" celebrada por Eric Clapton é algo fenomenal.
por acaso cheguei aqui neste post e, só pra corrigir: quem fez o papel de Tommy no fime foi Roger Daltrey (vocalista do The Who) e não o baixista John Entwistle.. e acho sim um filme inesquecível Acho que até hoje vale a pena rever..e reverenciar o The Who.
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