segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sentimentos à flor da pele


Certa vez eu participei de uma banda muito estranha que misturava bossa nova com Sonic Youth e outras loucuras... O vocalista dessa minha banda cantava também em outra, essa de emocore apaixonante, coisa linda de deus. A namorada do guitarrista base da banda de emo tinha ido a Recife e lá, conhecido uma banda da terra chamada Mombojó. O ano era 2004 e das 15 canções do grupo eu só consegui gostar de duas. Esse foi o meu calvário para encontrar o Mombojó. Viva a maturidade.

Um ano e um bucado se passou desde então e hoje, dois aninhos de álbum gravado e lançado, a coisa é bem diferente. Os homens do Mombojó, septeto formado pelos jovens Felipe S (voz), Samuel (baixo), Vicente Machado (bateria), Marcelo Machado (guitarra), O Rafa (flauta), Chiquinho (teclado e sampler) e Marcelo Campello (violão, cavaquinho e escaleta), já rodaram o Brasil, fizeram shows em Sampa com casa lotada, fizeram Abril Pro Rock, tocaram na França e fizeram um show por essas bandas.

A empatia, dessa vez, foi totalmente diferente. A proposta da banda de disponibilizar em seu site todas as canções do seu primeiro álbum, chamado ironicamente de nadadenovo (a música é uma constante charmosa repetição), me deram oportunidade de conhecer mais um pouco do trabalho da banda. O ouvido agora já estava calejado e percebeu muito melhor as sutilezas da poesia da banda.
O som do Mombojó é forte. Por que se eles misturam música brasileira (samba/bossa nova) com ritmos americanos (hip hop) e com a música eletrônica, de cara você já sabe que eles não são "mais uma bandinha que toca rock cheio de groove, uma alfaia truando e a guitarra roncando". Não, eles não são mangue beat. São 'sem estilo pré-definido'. Quer melhor? Quer força maior?

O disco abre com 'Cabidela'. "Tudo vermelho, os meus olhos pegando fogo. Minha paciência encardida, meu sufoco" vai cantando Felipe, destilando veneno e poesia sobre uns tecladinhos sacanas e bem sacados. Daí vem o grande hit do grupo, a belíssima 'Deixe-se Acreditar'. A letra toda é de uma poesia sem fim, sobre uma base que mistura bateria eletrônica e o groove de Vicente. Coisa cadente, pulsante, viva. "Deixe-se acreditar, nada vai te acontecer. Tudo pode ser, nada vai te acontecer, não tema. Esse é o reino da alegria!". É o reino da alegria mesmo.

Mas não pára por aí... Tem mais coisa... 'Nem Parece' é uma canção que fala de pessoas que não acreditam na sensibilidade das outras. Se não for isso, qual a razão de cantar "nem parece que o que aconteceu repercutiu demais pra mim, nem parece que minhas lágrimas tiveram fim. Nem parece que eu chorei, nem parece que eu quis chorar"? Nas próximas duas canções, encaixadas, os versos "Parece ser difícil, mas não. Tá todo mundo dançando a nostalgia do verão", de 'Discurso Burocrático' e "Um dia todo mundo vai morrer. Eu quero saber o que vai acontecer quando esse dia chegar e você não estiver a me esperar para me dizer como foi lá" de 'A Missa' traduzem uma preocupação com o agora e com o depois, com a satisfação e a inquietude. 'Adelaide' traz versos confidentes. "O que eu entendo por ser meu é tudo que eu posso te dar. O meu amor, mas primeiro eu. Preciso saber se você vai gostar" é a tradução da insegurança frente um novo relacionamento. Primeiro eu, depois você. Egoísmo básico e necessário.

Mas o arrebatamento vem mesmo em 'Faaca'. "Eu não acredito em tudo que eu mais quero, mas vivo a sonhar com você a me beijar. E essa dor que sara faz viver e acordar pra mim. Eu quero ver você dançar em cima de uma faca molhada de sangue enfiada no meu coração" é tudo que diz a letra dessa canção e não precisa dizer mais nada. Mesmo.


Mombojó - nadadenovo

Cabidela
Deixe-se Acreditar
Nem Parece
Discurso Burocrático
A Missa
Absorva
O Céu, O Sol E O Mar
Adelaide
Duas Cores
Estático
Merda
Splash Shine
Faaca
Baú
Container


Coluna originalmente publicada na edição de 05.07.05 do Caderno Torquato, do jornal O DIA.