segunda-feira, 18 de junho de 2007

Uma nova percepção para o hardcore


Não vou mentir... de hardcore eu sei o nome, a velocidade, a energia e a ojeriza que vários amigos meus têm pelo estilo. Isso seria o suficiente, para um ouvinte médio como eu. Mas o álbum novo do Káfila, Playground, que saiu agora em agosto, traz bem mais do que o ouvido médio pode pedir ou sacar. Vai além.

Não são apenas guitarras distorcidas demais, baixo marcado demais ou bateria bate-estaca demais. Vai além.

Não são apenas letras 'berradas'. Vai além.

As oito canções colocadas nessa bolachinha que o Káfila [que é formado por Rubens nas guitarras e voz, Sandro na bateria e voz e Fernando no baxio e vox] gravou em fevereiro do ano passado, mixou esse ano, em abril e junho, e só saiu agora em agosto, já vinham acompanhando a banda nos shows aqui na Capital e fora dela. O empecilho em gravar esse material antes foi grana. Com a parceria fechada com a SuperOil Records, o cd finalmente pode sair, com divulgação garantida.

Da minha pessoa, já eram conhecidas (e curtidas) as fantásticas 25b/s [Porra! Caiu! Esfrie a cabeça e tente novamente], e Folia [Não decorei o samba-enredo. Tentei ignorar a folia]. As outras seis foram gratas surpresas. Com os vocais divididos entre os três integrantes da banda, fica um pouco complicado sacar quem canta o que, se não for conferir no encarte. Alias, as letras das canções só começam a fazer sentido depois de ir acompanhando com o encarte. Pra mim, o principal bloqueio com o estilo é esse, já que eu nunca consigo entender de cara o que o vocalista está dizendo.

Mas como eu já disse em outras colunas, não é só a letra que me faz sentir uma banda. As melodias, a energia e principalmente a criatividade são os principais pontos, que às vezes sobrepõe até as letras [como no caso do antigo Raimundos, por exemplo]. E se não dá pra entender as letras de cara, energia e criatividade esses moços têm de sobra.

Em Folia, arranjos estranhos, com uma introdução menos direta [mas nem por isso 'enrolativa'] e uma cadência diferente do que eu esperava. Em entrevistas passadas com Fernando, ele me dissera que a banda intencionava mais, colocando naipe de metais nessa canção. Ficaria ainda mais interessante. Em Novestruturas, um hardcore mais direto, mais 'bate-estaca', por assim dizer. E uma letra bem ácida: 'Novas estruturas são senzalas pós- modernas/Novas estruturas são sementes do terror/Novas estruturas mostram as velhas seqüelas/ Novas estruturas. Novas cores pra velha dor', traduz a banda, sem completar o recado: que estruturas? Que dores?

Em 'Canção pra ninguém', os versos vão dedicando a canção 'pra você que não gostou, pra você que foi embora [...] pra você que torceu contra e mesmo assim não adiantou'. Singelo, não? Mas não é só para ser grosseiro ou singelo, num antagonismo bobo. Esse é um trabalho maduro, que tem muitas coisas a serem descobertas, arranjos a serem digeridos, longe dos lugares-comuns que cercam o hardcore.

Depois da oitava faixa, vem surpresinhas, pra quem saber esperar... "Hello I Love" do The Doors, que a banda tocou durante alguns shows. Essa é uma versão mais rápida e puxada pra Ska-core; Naked in Front of The Computer do Faith No More, que entrou no tributo virtual Brazilian Sabor e Nasty Song 99, que tinha saiu na coletânea da Tamborete, 'Apocalipse 2000', essa aqui gravada ao vivo no Micarock 2004. Mas os clássicos da Káfila encobrem esses covers. Como eu disse lá no início... vão além.


Káfila - Playground

Rasguem meu testamento
Ao seu redor
25 b/s
Canção pra ninguém
Chaos delivery
Folia
Novas estruturas
Mais perto do que longe, mas ainda falta um bocado
Hello I love you (BÔNUS)
Naked in front of the computer (BÔNUS)
Nasty song 99 (BÔNUS)

Coluna originalmente publicada na edição de 06.10.05 do Caderno Torquato, do Jornal O DIA.