terça-feira, 19 de junho de 2007

Um som louco e são vindo de Parnaíba


Confesso: os contatos que eu tinha com a música piauiense foram se estreitando depois que eu entrei na universidade. Antes, mesmo indo para alguns shows de bandas de fora para ver os conjuntos daqui, eu pouco me ligava na produção deles. No máximo curtir o primeiro cd do Narguilé e achar soda o lançamento do cd da Brigite Bardot lá do 4 de Setembro.

Aí veio a virada. Por intermédio de amigos que fiz na UFPI, passei a freqüentar o projeto Boca da Noite, quando ele ainda dava espaço pra produção rocker (pra ser bem Rúcio Libeiro aqui...) da cidade. Lá vi Káfila, vi Mano Crispim, Ranagrama, Roraima e Sérgio Matos, e Teófilo. E comecei a me interessar, principalmente pelas composições dos três últimos, que iam me mostrando um lirismo interessante, que eu não sabia que existia por aqui. Ignorância mesmo, pode acusar.

Quando o Teófilo, oriundo de Parnaíba, lançou o primeiro trabalho, Teófilo Confusão, eu ainda me ligava pouco no som que ele estava fazendo. Escutava algumas músicas nas rádios daqui e só. Depois do Boca da Noite, passei a me interessar mais. Cacei o primeiro trabalho, escutei, gostei de algumas coisas, não gostei de outras, enfim, era um trabalho bem feito, mas que não me agradou completamente. Grande coisa... O mais interessante mesmo é que Teófilo pouco se vale de covers para seus shows. Ele se garante é no material próprio mesmo.

Enfim... passei a me ligar mais e mais em coisas da nossa terra, e o Teófilo passou a ser nome doce na nossa música, tocando em prévia de show, festival, palco médio, palco grande e as composições dele se destacando no meu ouvido. 'Cada vez mais' interessante, bem sacado, bem construído. Bem feito, principalmente, e por conta da banda que está acompanhando Teófilo há mais ou menos um ano e meio. Arthur Bohn na bateria (baterista versátil, rápido e técnico); Tiago Peixoto na guitarra solo e no violão-aço (outro que tem versatilidade como sobrenome. Já tocou de metal melódico a música latina); Cláudio Luz tocando baixo (músico técnico e criativo, que não faz apenas o 'acompanhamento' da guitarra, mas contribui, sem exagerar, para as melodias das canções de Teófilo) e Ferdinand Melo nos teclados (músico jovem que toca desde música clássica a reggae. E com a mesma competência) são os músicos que vão colorindo as composições de Teófilo.

E aí veio Matulão, segundo disco da carreira do cantor, que traz novamente o lirismo, mas num sentido mais 'evoluído', por assim dizer. Se em 'A volta do Zorro', Teófilo desafia a métrica e a dicção, com versos encadeados e enormes, o novo cd abre logo com um novo desafio, que é 'Jararacas' (uma canção, que conforme confidenciou Teófilo num festival pop da cidade, foi feita quando ele estava no Rio de Janeiro, divulgando seu trabalho e viu crianças num sinal de trânsito. Inspiração urbana pura), e tem a fórmula repetida em 'Papagai do cú pelado'. Mais para frente, temos, num álbum que tem 90% de composições do próprio Teófilo (apenas uma canção não é de autoria de Teófilo, a ótima 'Blef', escrita por Fred Maia) a canção 'Matemática', em que Teófilo vai brincando com as operações aritméticas mais básicas, somando beijos, subtraindo o que não é amor.

Em 'Blef', o sucesso do primeiro álbum e a previsão de sucesso deste segundo são confirmadas. "Ficou do blef a surpresa/o raio caiu de novo/em nossas cabeças". Em Fascinante, primeira canção da nova leva a ser incluída nos shows, Teófilo vai brincando com as rimas, e falando de vários tipos de fascínio. 'No Azul' traz uma bela letra, falando der amores correspondidos e referências a Raimundo Soldado.

Mas a melhor canção do álbum, na minha modesta opinião, é 'No Canto'. Letra, como um conjunto, bem feita, sincera, bem construída. Melodia simples, mas forte, compassada, cadenciada. E os melhores versos do disco. "E a tardinha quando vir o pôr do sol/darei boa noite com respeito pra vizinha/e depois do jantar/eu lembrarei que em algum lugar há uma mulher só minha" traz o conformismo progressivo que se ganha com os anos, completado com os versos "depois da queda quando o telefone me acordar/e me chamar/para o trabalho eu vou levantar/e lembrarei com horror/que um outro dia escroto começou...". E é assim.


Teófilo - Matulão

Jararacas
Siô
No Canto
Matemática
Blef
Broa
Fascinante
Papagaio do Cu Pelado
No Azul
Irreversível
Dualidade
Flores e Línguas
Sempre
No Azul (remix)
Space (remix)
Cabeça de Cuia (remix)


Coluna originalmente publicada na edição de 16.08.05 do Caderno Torquato do Jornal O DIA