terça-feira, 19 de junho de 2007

Abrindo os ouvidos para o Choro


Lá estava eu, na livraria que também vende cds. Os coitados, uns poucos dividindo espaço com um universo de livros, estavam colocados no segundo andar, esquecidos num canto. A poeira, já assentando, caia também em alguns bons discos de jazz, outros nem tão bons de pop, e outros muito bons de rock. Na capa, nada mais que as duas palavras que batizam a banda, 'Tira Poeira', com uma foto em sépia.

Comprei o disco no cego. Arriscando não gostar. Nada tinha lido sobre o mesmo, não sabia em que ano ele havia sido lançado ou que tipo de música ele trazia, mesmo que a foto da capa denunciasse um som leve, acústico, feito com pandeiro e violão, os dois instrumentos que pulam do registro. A cegueira durou até chegar em casa, quando tirei o plástico que envolvia a capa do álbum e coloquei o disquinho para tocar. De cara, veio aquele som estridente do cavaquinho. E eu, bom roqueiro que sou, surpreendentemente não enraiveci. O pé começou a bater junto com o pandeiro, que veio logo depois.

Não que eu seja fechado para as manifestações musicais originárias na minha terra. Mas, longe de ser ufanista, prefiro as guitarras distorcidas ao violão bossado. O bom da surpresa de ter comprado um disco de choro é que, mesmo não sendo fã do estilo, aquelas notas dedilhadas e palhetadas foram me conquistando aos poucos. E decidi abrir os ouvidos para o chorinho do Tira Poeira.

Formado pelos jovens, mas experientes, Caio Márcio (violão), Henry Lentino (bandolim), Samuel Deoliveira (saxofones), Fábio Nin (violão 7) e Sérgio Krakowski (pandeiro), o som do grupo, que passou bons anos tocando nas noites da Lapa, no Rio de Janeiro, é, com o perdão do trocadilho, bem lapidado. As influências mais diretas, mas veladas, não posso identificar, podendo afirmar apenas que foram bem aproveitadas. Nada parece com nada nas suas composições, e não percebi nenhuma referência direta a clássicos do chorinho, o que já denota personalidade e criatividade por parte da banda.

A história do grupo se resume, como acontece com as grandes bandas, a encontros casuais. O bandolinista Henry Lentino saiu de Porto Alegre para o Rio, em busca de parceiros no mundo da música. Lentino começou a terçar cordas com o violão de 7 de Fabio Nin, que terminou por agregar o caçula Caio Márcio, com seu violão. De conversa em conversa pelos botequins do bairro da Lapa, chegaram o pandeirista Sérgio Krakowski e outro "imigrante" no berço do chorinho carioca, o saxofonista catarinense Samuel de Oliveira.

O mais complicado para mim, reles apreciador médio de chorinho e grande apreciador dos versos das canções, foi encarar um álbum inteiro sem letras próprias a serem associadas à melodia das músicas. Mas esse terminou por ser um problema fácil de ser contornado. A cadência das composições, associadas à beleza e jovialidade dos arranjos, tornou as músicas um conjunto tão bonito que a assimilação foi simples. Satisfação garantida.

Para amolecer ainda mais o ouvido, três clássicos do samba foram interpretados pelo Tira Poeira: Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, cantada por Teresa Cristina; O Mundo é um Moinho, de Cartola, entoada por Pedro Miranda e Três Apitos, de Noel Rosa, na voz de Mariana Bernardes.


Tira Poeira - Tira Poeira

Murmurando
Receita de Samba
Três Apitos
Delicado
Caminhando
Segura Ele
Vê se Gostas
O Mundo é um Moinho
Carioquinha
Peguei a Reta
Folhas Secas
Santa Morena
Cadência


Coluna originalmente publicada na edição do dia 09.08.05 do Caderno Torquato do Jornal O DIA