A deusa estendeu a mão para mim
Preguiça e preconceito. Senti muito isso pela mocinha da música eletrônica, do experimentalismo, da loucura aparente, da doçura sobrenatural. Senti muito isso a vida inteira. Sempre tive certo cansaço em ouvir Björk, em saber dela, em pesquisar seus sons. Tanto que fui para o Tim Festival interessado apenas no show dos Macacos do Ártico. Os outros seriam meras bandas de abertura.
Só que ver a Björk é o tipo de obrigação para uma/qualquer pessoa que gosta de música, mesmo que você não ligue pro que ela faz. A mulher tem mais de 20 anos de carreira e é aclamada como a grande musa da experimentação na música eletrônica. A chance de ver a mocinha de 41 anos no palco deve ser aproveitada.
Não só isso, diga-se. No meu primeiro contato com a artista, passei dias devorando Hunter, do disco Homogenic. Antes do TIM, resolvi baixar a guarda e catar o Volta, novo disco da guria islandesa. Earth Intruders foi a melhor porrada do ano. E logo a primeira música. De resto, nada mais sabia da moça. Perceba como meu interesse por Björk era uma coisa assim louvável.
Pois é, cara, não era mesmo. O ponto é que não foi a música, não foi o visual, não foi a curiosidade que me fizeram crer fortemente que a guria islandesa é a coisa mais próxima de um deus que a música tem/teve desde o Led Zeppelin. Mas sim o simples fato de que você sabe quando está em frente a um deus. Não há como fugir dessa sensação.
E foi isso que eu senti ao ver Björk vestida, literalmente, de arco-íris. Entrando no palco, pelo lado esquerdo. As cantoras do coral sendo batedoras do seu caminho, correndo levemente, na ponta dos pés. Eu estava bem longe do palco, mas sabia que elas sorriam. Nenhuma outra feição deveria ser possível. Elas cantavam e faziam parte dos sopros das canções. Ao fundo, uma orquestra. Tínhamos também um baterista. E um semi-deus no sample. Na platéia, corações cheios de alegria. E Björk dançando, Björk cantando, apontando, fazendo reverências. Björk correndo de um lado para o outro. Berrando. Ela respirava, ela comandava, tomava partido das nações, delegava trabalhos, ribombava seus desejos, lançava seu olhar sobre as plantações. Ela sabia fazer chover, mas não o fez. Trouxe um frio bom, espantou o calor. Deu água para o gado e afagou a cabeça das crianças. Tudo ao mesmo tempo agora. Björk é a deusa mais linda que eu já vi.
Earth Intruders, do disco novo, quebrou tudo de cara. Hunter veio depois e levou todo mundo. Meu conhecimento musical a respeito da moça acaba aí. O que realmente pouco importava. Tudo ali remetia à apoteose, remetia a transe, a um ritual para elevar espíritos. As canções se sucediam, se seguiam, mas a experiência do todo é que contava. A única diferença notável entre os fãs e os parcos conhecedores sobre o trabalho da moça era o balbuciar das letras. De resto, apenas uma massa sorrindo.
No fim, quando algumas pessoas ainda resistiam à tortura de estar ali e não poder tocar tudo aquilo que era tão lindo logo acolá no palco, ela liderou Declare Independence. Ela cantou mais, enxergou mais, como deusa que é soprou, cuspiu, conjurou pedaços de papel para o alto. Raise your flag! [Higher, higher!]
Tudo turvo, não se via nada, só papéis, e cores, e sabores. E se sabia, naquele momento, que o mundo era diferente, que as terras estavam mais fecundas, mesmo que apenas dentro de você. Porque uma deusa, vestida de arco-íris, tinha por ali passado. E nada mais foi como era antes.
Fonte das fotos: Uol
Preguiça e preconceito. Senti muito isso pela mocinha da música eletrônica, do experimentalismo, da loucura aparente, da doçura sobrenatural. Senti muito isso a vida inteira. Sempre tive certo cansaço em ouvir Björk, em saber dela, em pesquisar seus sons. Tanto que fui para o Tim Festival interessado apenas no show dos Macacos do Ártico. Os outros seriam meras bandas de abertura.
Só que ver a Björk é o tipo de obrigação para uma/qualquer pessoa que gosta de música, mesmo que você não ligue pro que ela faz. A mulher tem mais de 20 anos de carreira e é aclamada como a grande musa da experimentação na música eletrônica. A chance de ver a mocinha de 41 anos no palco deve ser aproveitada.
Não só isso, diga-se. No meu primeiro contato com a artista, passei dias devorando Hunter, do disco Homogenic. Antes do TIM, resolvi baixar a guarda e catar o Volta, novo disco da guria islandesa. Earth Intruders foi a melhor porrada do ano. E logo a primeira música. De resto, nada mais sabia da moça. Perceba como meu interesse por Björk era uma coisa assim louvável.
Pois é, cara, não era mesmo. O ponto é que não foi a música, não foi o visual, não foi a curiosidade que me fizeram crer fortemente que a guria islandesa é a coisa mais próxima de um deus que a música tem/teve desde o Led Zeppelin. Mas sim o simples fato de que você sabe quando está em frente a um deus. Não há como fugir dessa sensação.
E foi isso que eu senti ao ver Björk vestida, literalmente, de arco-íris. Entrando no palco, pelo lado esquerdo. As cantoras do coral sendo batedoras do seu caminho, correndo levemente, na ponta dos pés. Eu estava bem longe do palco, mas sabia que elas sorriam. Nenhuma outra feição deveria ser possível. Elas cantavam e faziam parte dos sopros das canções. Ao fundo, uma orquestra. Tínhamos também um baterista. E um semi-deus no sample. Na platéia, corações cheios de alegria. E Björk dançando, Björk cantando, apontando, fazendo reverências. Björk correndo de um lado para o outro. Berrando. Ela respirava, ela comandava, tomava partido das nações, delegava trabalhos, ribombava seus desejos, lançava seu olhar sobre as plantações. Ela sabia fazer chover, mas não o fez. Trouxe um frio bom, espantou o calor. Deu água para o gado e afagou a cabeça das crianças. Tudo ao mesmo tempo agora. Björk é a deusa mais linda que eu já vi.
Earth Intruders, do disco novo, quebrou tudo de cara. Hunter veio depois e levou todo mundo. Meu conhecimento musical a respeito da moça acaba aí. O que realmente pouco importava. Tudo ali remetia à apoteose, remetia a transe, a um ritual para elevar espíritos. As canções se sucediam, se seguiam, mas a experiência do todo é que contava. A única diferença notável entre os fãs e os parcos conhecedores sobre o trabalho da moça era o balbuciar das letras. De resto, apenas uma massa sorrindo.
No fim, quando algumas pessoas ainda resistiam à tortura de estar ali e não poder tocar tudo aquilo que era tão lindo logo acolá no palco, ela liderou Declare Independence. Ela cantou mais, enxergou mais, como deusa que é soprou, cuspiu, conjurou pedaços de papel para o alto. Raise your flag! [Higher, higher!]
Tudo turvo, não se via nada, só papéis, e cores, e sabores. E se sabia, naquele momento, que o mundo era diferente, que as terras estavam mais fecundas, mesmo que apenas dentro de você. Porque uma deusa, vestida de arco-íris, tinha por ali passado. E nada mais foi como era antes.
Fonte das fotos: Uol
3 Comentários:
"Porque uma deusa, vestida de arco-íris, tinha por ali passado. E nada mais foi como era antes."
quando a gente escreve de dentro [quase] sempre fica bom.
esse texto ficou muito bom.
mesmo.
beijo.
e que bom que agora tu gosta de bjork, pelo menos pra isso o tim desse ano serviu.
depois disto tenho que ouvi-la. antes, nunca tive o interesse...
Que texto bom viu, Pedro! Muito Bom MESMO! Eu também nunca me interessei por Bjork, mas seu texto me deixou com um gostinho de: "- poxa! eu perdi esse show!"...
Parabéns Conterrâneo!!!
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