sábado, 15 de dezembro de 2007

Eu te odeio. Tu me odeias. Nós nos odiamos.

[Atari Teenage Riot]


Não se sente mesmo cheiro de anos atrás. Aquele cheiro de pólvora mistura ao barulho estridente de guitarras deformadas e gritos de ódio. Aquele ar de indignação mesmo, o puro sentimento de destruição política e moral que imperava algumas bandas de protesto [anarquistas ou não, irônicas ou não].

De 1980 pra cá, trataram de f**** o idealismo e os movimentos de esquerda pesados [ok, uma boa parcela eram uns alienados esquerdistas analfabetos que mal sabiam ler filosofia – que nem sabiam que curulhas era “intelectual orgânico”. Enfim, eles mesmos se destruíram ou se deformaram]. O que restou com o fim de tudo isso [e outras coisas] na cena musical, foi uma hedionda cena regada pela própria auto-destruição química e financeira da alegria, e uma overdose irritante de solidariedade pop [que até hoje se discute se essas ações realmente trazem resultados a longo prazo, ou só são via de promoção para celebridades].

Nessa salada do bom consumista dos anos 1990, a música de protesto ainda suspirava um pouco através de bandas como Rage Against the Machine, Asian Dub Foundation e outras menores. Entretanto, os gêneros musicais mais politizados iam pro buraco do mainstream comportado [limpinho, esteticamente saudável]. O punk já caminhava pra virar som de pirulito, o hardcore foi pro mesmo sentido, e o hip-hop... é, vocês sabem, e só basta olhar bem aqui do lado pra ver um tal de D2 tocando junto com coisas como NX Zero, pra depois declarar que a experiência foi algo “legal” [Tudo bem que ninguém deve se prender a condutas ideológicas, mas isso é ridículo!!!].

São estragos idiotas como esses acima que me fazem ter gosto de ouvir Atari Teenage Riot - ATR, criado da discórdia moral e política para gerar a desordem. Formado em 1992 por três jovens: Alec Empire, o líder [que fundou sua própria gravadora, a Digital Hardcore, depois de passar a perna num contrato com a Phonogram Records, e nunca devolver o dinheiro], Hanin Elias, que berra como uma louca, e MC Carl Crack, maestro do caos. Todos filhos de uma Alemanha violentada após a II Guerra e durante a Guerra Fria. Depois veio a nipo-americana Nic Endo que se juntou ao grupo apenas em 1997, estampando no rosto o ideograma japonês para “resistência”, além de contribuir mais ainda para a barulheira toda - fazia e montava samples ruidosos e dava uma ajudinha nos gritos.

Da esquerda para direita: Nic Endo, Hanin Elias, Alec Empire, MC Carl Crack

A banda nasceu mais como um grito [literalmente] de indignação com o ambiente esquizofrênico que Berlim experimentava após a queda do Muro. Berço de toda uma forte linha esquerdista da Alemanha, a cidade se via, depois da “liberdade”, infectada pela proliferação de raves festivas que iam de choque com o sentimento pessimista de toda uma geração que ainda se adaptava dolorosamente ao novo ambiente, além do avanço assustador do movimento neo-nazista, que pegava carona nessa mesma geração perdida e que agia violentamente sem uma intervenção dura das autoridades.

ATR foi umas das primeiras bandas a mixar de forma explícita metal, punk, hip-hop e drumb’n’bass experimental, dando luz a um som caótico [o digital hardcore], gritado com todo sentimento de destruição, chamando os ouvintes para uma mobilização, para um despertar pessoal e social num mundo de sonhos comprados e vazios – nada de falatório político meia boca, ou paz e amor. Um som ensurdecedor e extremamente agressivo para ouvidos delicados.

Ouça no topo pérolas como “Hetzjagd Auf Nazis!” [algo como 'cace os nazistas e os mate'], “Into The Death”, “Deutschland (Has Gotta Die!)”, “Sick to death”, “Death Of A President D.I.Y.!”, e saia com os ouvidos zunindo por um bom tempo.

Não era incomum eles torrarem com o equipamento de som em apresentações ao vivo, ou promoverem a desordem durantes elas. Dentre as confusões mais famosas, cito o espancamento promovido pela Hanin Elias [uma moça delicada!], com seu singelo microfone em cima de um segurança durante turnê no Brasil, em 1997; e o acontecido em plena nas ruas de Berlim, em 1999, com tudo devidamente registrado e sintetizado no vídeo abaixo – o gás lacrimogêneo tomando o lugar e mesmo assim eles não param de tocar.




No final, a própria banda encontrou sua auto-destruição. Em 2000, ATR encerra as atividades após uma tulmutuada turnê que certamente comprometeu o convívio entre os integrantes. Assim, Alec Empire e Nic Endo prosseguem trabalhando juntos na Digital Hardcore Recordings, Hanin Elias funda sua própria gravadora, a Fatal Recordings [que está nas ultimas], voltada exclusivamente para bandas femininas, e Carl Crack morre de overdose em 2001.

Como herança, a banda deixou uma limitada discografia com músicas de estúdio: Delete Yourself! (1995), The Future of War (1997) – o melhor álbum, banido das lojas alemãs em 2002 [época de caça aos terroristas, sabe como é!] e 60 Second Wipeout (1999). O resto na lista de seus trabalhos se estende para uma dúzia de gravações ao vivo, EPs, B-sides e coletâneas com músicas remixadas.

Não é nada que mostre alguma evolução musical da banda, ou que deixe uma forte influência para cena eletrônica [como o Daft Punk fez]. E eles podem realmente soar repetitivos em seus trabalhos – samples vão e voltam, refrões são resgatados de faixa em faixa, mas tudo isto trabalha como uma forma de fixação da mensagem da banda, entretanto, às vezes pode encher o saco de alguns.

Mesmo assim, quase oito anos depois do fim de ATR, o som deles me faz falta. Diante de tantas mudanças políticas e sociais nesse período, a temática de suas músicas é mais que atual, o que demonstra que nada mudou sinceramente. A sensação que fica é aquela pura hipocrisia e desespero humano mostrado em filmes como “Réquiem para um Sonho” e “Tropa de Elite”. Não que eu seja alguém engajado pelas mudanças [sou tão “verme” como milhares], mas ao menos sou capaz de reconhecer que um pouco de ódio e revolta são capazes de acordar uma alma apática, e podem salvar alguém duma vida vegetativa de mentiras.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Costas quentes; Dentes acesos; Olhos de espelho; Cabeça de leão.
Por Jader Pires


A Nação Zumbi é mesmo uma fera mitológica e constantemente mutável. Criatura que se desenvolveu no mangue recifense e ganhou força e notoriedade com os álbuns Da Lama Ao Caos (1995) e Afrocibederlia (1996), quando ainda contavam com Chico Science nos vocais. Os álbuns posteriores correram por diversos estilos e propostas, do eletrônico ao psicodélico, aumentando a fama de devoradores de respeito e propagadores de boa música.

Sempre lembrados por despontar junto com o movimento Manguebeat, a banda não tem intenção nem de apagar essa memória e nem de viver dela. O maracatu ainda pesa uma tonelada e, dessa vez, o bicho vem com Fome De Tudo.

O sétimo álbum do grupo pernambucano foi lançaado no último mêss de novembro pela Deckdisc, marca a despedida da Trama e continuação do caminho que sempre trilharam: o da inovação e do desapego com o passado consagrado.

Mas o desapego não é por completo, pois uma das propostas cumpridas pela Deckdisc foi a de contratar o produtor Mario Caldato Jr. (que trabalhou, dentre outros projetos, com Beastie Boys, Beck, Marisa Monte e Vanessa da Mata), que chegou a se envolver com a banda na mixagem de Afrocibederlia, mas não chegou a contribuir criativamente com o trabalho.



O Fome De Tudo é o álbum mais cru da banda, que tranqüiliza um pouco as alfaias e abusam da diversidade, mesclando peso, swing latino, maracatu, Jamaica, samba e mais uma infinidade de sonoridades, adicionadas das letras poéticas e reflexivas mais da voz grave e agradavelmente pouco melodiosa de Jorge Du Peixe (o vocal assina todas as composições, sendo 3 com parcerias).

Lúcio Maia lançou um álbum solo no meio do ano chamado Maquinado, e trouxe muita coisa boa desse álbum pro Fome De Tudo. Sua guitarra é hipnotizante, potente e de uma competência pra lá de elogiada. Lucio mostra a cada trabalho ser competente e talentoso.

Bossa Nostra abre o álbum e foi a escolha perfeita para um primeiro single do trabalho. Percussão dinâmica que acompanha o ótimo riff que conduz ao refrão forte "E-levei minha alma pra passear". Infeste talvez é a música mais interessante do álbum, disputando com Inferno, que conta com a participação da cantora Céu. A tal participação é bem sutil e leva sensualidade pra essa canção intrigante tanto nos arranjos como na letra.






Nascedouro é dançante e tem metais muito bons, assim como a música Assustado, que também contribui com o chacoalhar gostoso das ancas (essa música conta com a participação do tecladista Money Mark, que gravou em vários discos dos Beastie Boys).

A música homônima do álbum é a mais pesada e tem uma letra direta e atual. Fecham a coisa toda a trilogia A Culpa, Originais do Sonho e No Olimpo. Esta última canção lembra, claro que no contexto e não na criação, a música A Day In The Life, derradeira no Sgt. Peppers, criação maior dos Beatles. A música segue rumo e chega num emaranhado de sons e melodias que fazem prender a respiração até sossegar e recomeçar o rumo que vai novamente para o aglomerado de sons, de instrumentos até culminar no ápice da obra e da canção. Encerra-se aqui mais uma brilhante criação vinda de Recife.




Todo projeto da Nação Zumbi é sempre muito esperado, comentado e o mais interessante é que a banda consegue seguir com uma tranqüila carreira criativa e comercial na medida do possível, longe do foco das celebridades e da vida de rock stars. Com isso, se consolidam como músicos de peso, renome e respeito.

O mito cresce a cada dia e a fera fica mais e mais faminta...de tudo.