terça-feira, 26 de junho de 2007

No pulo do gato


Parece peculiar achar que o passado pode alimentar e se alimentar do futuro. Pode até parecer interessante crer que o passado é base para o futuro, embora isso seja totalmente lógico.

Hoje, quando eu escuto de novo o “Revolver”, de 1966, daquela banda lá de Liverpool, fico pensando como ele deve ter feito a cabeça de muitos jovens, beatlemaníacos ou não.

Loucura somada a genialidade, ele preparou o terreno que foi limpo pelo Rubber Soul, sedimentando influencias, abrindo portas da imaginação, libertando composições. Indo do rock direto à canção de amor, passando pelo transcendental [palavra que perdeu o sentido que a preenchia com os anos], esse Revolver bem que poderia ser o primeiro disco que um novo roqueiro ganharia do tio chato que se viu na obrigação de dar um disco de rock pro guri.

Seria lindo demais abrir o pacote e ver o desenho da capa de autoria do artista de Hamburgo, Klaus Voorman. Eu gostaria de ter ganho esse disco de alguém, mesmo que fosse um tio chato. Não iria me importar.

Depois de ter passado alguns meses com o Rubber Soul em casa, lutando para que o cd fosse lido pelo som CCE, foi ótimo descobrir que aquela obra prima era descendente direta do mesmo fluxo de idéias que se uniram para criar “You won’t see me”, “Think for yourself”, “I’m looking through you”. Assim, as mesmas cabecinhas pensantes de antes pariram, um ano depois, esse disco, o Revolver.

Se antes, com o Rubber Soul, o choque foi quase anafilático, agora, com o disco apreendido da casa de um amigo, o momento era bem mais sublime, com direito a suspiros e paixões pela música eternamente. Só fiquei satisfeito depois de aprender a cantar “i’m only sleeping” e tocar “For no one” no violão.

Bom... vamos lá... Taxman é a primeira música de George Harrison que abre um disco dos Beatles. Mas isso não é um detalhe qualquer. Dentro da ditadura que a banda representava, dentro do duo Mac-Lennon, ter uma música abrindo um disco da banda é [ainda mais um disco como o Revolver] uma maravilha, coisa linda de deus.

Só que, definitivamente, esse não é um disco qualquer. Taxman é uma irônica tirada com as taxas de impostos que comiam os lucros dos Beatles [e que terminaram levando a banda para os EUA]. A seguir, Eleanor Rigby, uma das canções sobre solidão e pessoas solitárias mais espetaculares e espetacularmente soturnas que eu já tive o prazer de escutar.

Logo depois, a minha predileta, a que me traz mais bons cheiros de passado que influencia o futuro. “I’m only sleeping”. Por que em alguns momentos a gente está apenas dormindo. E se acorda de mal humor. Então é melhor ficar lá na cama, não é mesmo? Estirado? Ótimo. Pois me deixe, que eu estou apenas dormindo. Uma música que trata de um assunto relativamente banal, mas que é linda. Principalmente pelo solo de guitarra ao contrário. Foda!

A seguir, “Love you to”, mais uma do Harrison, dessa vez com direito a piração indiana, cítara e tabla e translação de texto indu. Curte? Pois aqui está uma música consagrada a isso.

Depois, “Here, There and Everywhere”, com sua poesia claramente inspirada em Beatles, daquele tipo de letra e melodia inconfundíveis. Linda canção, lindo arranjo, lindo tudo. Ai vem “Yellow Submarine”, com vocal de Ringo Star. E pra mim, só vale por isso. Não a acho divertida nem nada. Para mim, é a música dos Beatles que o Ringo canta. Vale?

Depois da viagem de “Yellow Submarine”, voltamos ao rumo anterior de boas músicas pops, com “She Said She Said”, de versos como “when i was a boy everything was right”...

Com 14 canções, o bloco final merece uma resenha só para ele. Good Day Sunshine é uma ode otimista e feliz. And Your Bird Can Sing Atente para Paul e George fazendo a 2ª voz. For No One Canção linda! Doctor Robert, mesmo com leve inspiração pelo mundo das drogas, é uma bela canção. Terceira canção de Harrison no disco, caso raro, I Want To Tell You, e principalmente, com vocal do próprio George!

Got To Get You Into My Life é uma ótima canção de amor. E Tomorrow Never Knows é uma boa canção para se ouvir bebendo. Ou bêbado.
Depois da queda, o coice?


Na vida, há certas coisas que só se aprende a fazer da segunda vez. Geralmente o sexo é assim, xingar também, cuspir, e muitas outras coisas viscerais que estão intrinsecamente ligadas a instintos, sejam eles primitivos ou não [tirando o fato de que eles são, em sua sufocadora maioria, primitivos].

Assim é também com a música. Lembro do Renato Russo falando num manifesto que ele lançou junto com a galera de Brasília à época de um festival com as bandas de lá. Aborto Elétrico, Plebe Rude, XXX, e outras... bom, o Renato disse que o rock é música da África, 4x4, instintiva. Pois é.

Existe aquela lorota no rock/música no geral, de que o segundo disco é o disco de afirmação, de mostrar que não era só um hypezinho nojento nem nada. Engraçado é ver que o Gram, com o seu ‘Seu minuto Meu Segundo’, provou a mim que eles foram mesmo um hype que deu certo. Saindo de um primeiro disco fraco [de 2004], conhecido como ‘disco do pato’ por conta da capa, o Gram tinha a cara-de-pau de colocar os grandes hits do disco logo na cara do ouvinte [coisa que eu abomino como ouvinte, como músico, como tudo... é estratégia de gravadora e cara-de-pau do artista].

Nesse segundo tiro, lançado agora em setembro de 2006, a coisa já é diferente. O disco, ainda lançado pela Deck Disk, parece mais verdadeiro, mais vivo, mais gentil, mais interessante, na verdade. Embora muita gente tenha ressalvas quanto ao Gram, e eu mesmo as tinha, é incrível como o gosto deles melhorou. Os timbres estão mais interessantes, as letras [embora existam deslizes] estão menos melosas, atingindo um padrão interessante, uma regularidade saudável de boas frases e boas tiradas, os arranjos têm soluções interessantes [minha única ressalva é justamente a música que parece ter dado nome ao disco, a última faixa, que lembra muito electro-rock-pop-punk tão em voga e na moda].

Engraçado notar também que esse segundo disco do Gram parece mais sincero, e assim, feito por instinto, ou com os instintos mais primitivos à flor da pele. Cada música parece ser mais sincera, madura e menos apelativa que no outro disco. Não há gatinhos aqui. Claro que há algumas aloprações, principalmente quanto às letras, como em Lupado. Mas vamos por partes.

O disco abre com ‘O rei do Sol’, que tem um arranjo simples, um baixo muito bem executado e abre um perfil dentro desse disco do Gram: muitos dedilhados de guitarra e violão. Sim, as canções estão mais leves, e o melhor... elas já começam a se distanciar [com passos largos] da sombra do Los Hermanos que todo mundo insiste em jogar em cima de toda banda que quer fazer uma coisa mais diferente.

Daí chegamos a ‘Você tem’. “Você tem/O que eu sempre quis/Você sabe o que quer/Também sabe o que tem/Ou pode ter quem quiser/Você passou e riu/Me faz pensar que sim/Sempre quero alguém/Que jamais olhou pra mim” é a simples maneira de tratar as paixões adolescentes [e a maioria das paixões, sejamos sinceros]. Começa com a identificação de um perfil, um encaixe de preferências, uma suposição apaixonada [claro...] e a desilusão fudida. Sim, por que o que mais acontece é um tipo de desilusão clássica originada unicamente pela fantasia que a paixão nos leva a atingir. E ai a gente se lasca.

‘Antes do fim’ é o tipo de composição que fala sem dizer muito. O conjunto de estrofes jogadas quase que aleatoriamente constituem um caleidoscópio idiossincrático, formatando, assim, várias identificações a cada frase.

A quarta canção do disco, ‘Parte de Mim’, é uma das mais belas, que fala mais, por que é complicado acreditar que uma coisa possa ir do “Fomos tanto/Que sempre tinha gente aqui/Pra ver de perto/O que alguém chamou de amor”, para o “E nos dias/Nas datas pra comemorar/A gente não jurava mais nada/E só bebia pra esquecer/O que era lindo se foi/Agora é normal e chato, um tédio”. Mas no fim das contas a gente sabe que é possível. Não sabe? Sabe sim.

Talvez a resposta para o que se configura em “Parte de Mim” seja “Melhor Assim” [formando a tríade do IM]. O cara que foi esculachado na música passada esculacha a moça nessa. Não quer mais pedir permissão para respirar, não quer ir pra festa dela, nem liga, não está nem aí, sabe que ela escolhe as coisas para anulá-lo de forma quase covarde. É um bom tapa na orelha. “Você engole só o que lhe convém/Pra cuspir sua vida em mim”. E ele não quer isso nem um pouco. E dá-lhe esculacho. Embora ainda role um interessezinho, eclipsado pela indiferença do outro lado.

O fim da tríade abre espaço para músicas um pouco mais experimentais, como ‘Vivo de Novo’, ‘Me trai comigo’ [uma ótima sacada para a letra], ‘Lupado’ [a da letra problemática/escalafobética] até chegar na ‘Em nome do Filho’, bela canção de amor, de um filho reconhecendo o pai. ‘Vale a pena’ tem o baixo mais bonito do disco, e a música é uma amostra de que os ‘hits’ estão pelo disco todo. Por fim, a mudança do diálogo vem para ‘Tem Cor’, com o pai querendo que o filho cresça, e convença. Por fim, a theklaxonsniana ‘Teu Minuto, Meu Segundo’, que mesmo com uma melodia chinfrim, convence pela letra e, principalmente, pelo refrão. “A vida é hoje/E é com ou sem você”. E sempre é.
O que fizeram com você?


O primeiro artigo que eu escrevi pra ‘Algumas Coisas’ foi sobre a Legião Urbana. Hoje, um bucado de tempo depois, tendo falado de tantos outros assuntos, temos aí batendo nas caras os 10 anos de morte da ‘maior voz do rock nacional’, com dizem alguns. Ou da bicha louca que cantava naquela imitação barata de Smiths.

Opiniões a parte, achei que seria tipo dever cívico [ou de fã que fui], falar de um disco da Legião. Não sabia bem qual, e enquanto dirigia escutava o primeirão, homônimo. Que foi justamente o tema do referido artigo. Aí eu pensei cá comigo... ‘que disco eu devo resenhar então? O último, né?!’.

Então lá vai. Catei o cd de mp3 que tem a discografia da Legião do carro, trouxe pro pc e copiei a pasta do disco ‘Uma Outra Estação’, de 1997. Sim, todo mundo já deve saber, mas nunca é demais falar. Lançado como disco póstumo, ‘Uma Outra Estação’ continha músicas que sobraram do processo de gravação de ‘A Tempestade’.

Ouvir esse disco de novo é uma espécie de martírio e satisfação. Martírio porque na época em que eu o conheci eu achava a coisa mais foda do mundo, mesmo um dos piores discos da Legião. E satisfação por saber que as boas canções que eu ouvia nesse disco continuam sendo as melhores. Assim, Riding Song, La Maison de Dieu, Clarisse, Comédia Romântica, Dado Viciado, Marcianos Invadem A Terra, Mariane, Travessia do Eixão são ótimas canções, seja pela letra, pelo arranjo, pela idéia.

Já existem deslizes muito loucos como Uma Outra Estação, As Flores Do Mal, Schubert Ländler [desnecessária I], A Tempestade, High Noon (Do Not Forsake Me) [desnecessária II], Antes Das Seis e Sagrado Coração, que sem vocal [e isso, nessa época em específico, será bom ou ruim?], fica perdida no disco.

Infelizmente, enquanto se escuta o disco, sente-se um cheiro de $$$ emanando de maneira absurda. O disco cheira a caça-níquel, e talvez o seja mesmo. E mesmo assim ele tem alguma razão de ser.

‘A tempestade’ deixou alguma coisa pela metade em 1996. Era preciso um arremate, algo que fechasse o ciclo, e com a morte de Renato, esse ciclo teria que ser fechado de algum jeito. Que fosse com um disco de sobras de estúdio. O mais chato mesmo é perceber a voz grave de Renato definhando, indo embora, se acabando. Algumas canções tem apenas sussurros do que a voz de Renato já houvera sido.

Assim, como muitos dizem [parece um generalismo bobo, mas é que se lê mesmo em qualquer esquina... já é um bom clichê], o Renato deveria ter parado antes. Não porque a qualidade das produções decaiu. Mas principalmente por que ele não tinha mais condições físicas de fazer um bom álbum. Ainda assim fez um mediano.

As músicas ruins do disco assim são por serem forçadas demais, ou pelo fato de que, em algum lugar, a criatividade da banda já começava a falhar... Arranjos pobres, ou forçados, timbres de teclado horríveis [influência do Carlos Trilha] e a falta da verdadeira voz e interpretação de Renato. Realmente faz falta.

Já as partes boas do disco trazem canções que fogem aos temas mais recorrentes dos últimos discos da banda, que é lavagem de roupa suja da vida amorosa do grupo. Outras, fazem um resgate do que Renato compunha quando bem mais jovem. Muito mais do que inspirador, é interessante como material de pesquisa e fonte de conhecimento. Sobre Legião Urbana, claro.

O que mais se pode dizer desse disco? O trabalho do encarte é ótimo, muito bem feito, com desenhos de Marcelo Bonfá, que veio à Teresina outro dia ai. Dispensável e urgente à sua coleção, ao mesmo tempo. Compre de acordo com o seu humor, baixe se tiver conexão sobrando. Escute e entenda como uma banda que falava de amor passou a fazer baladas amorosas falando de punks. Ou não.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Radiohead libera trechos de músicas do novo álbum

Está tudo lá, no blog do quinteto inglês.

Nigel Godrich, produtor da banda desde o Ok Computer, postou [no último dia 15] trechos de novas músicas que o grupo está terminando de gravar.

As canções, que chegaram ao YouTube num vídeo caseiro, são "Open pick", "All I need" e "Down is the new up", dentre outras.

Essas e outras composições, como Arpeggi e Nude, já circulam na internet desde o ano passado e devem fazer parte do sétimo disco da banda. Será o primeiro trabalho inédito oficial desde 2003.




Vale lembrar que com Hail to the thief, o contrato do Radiohead com a EMI/Parlaphone foi para as cucuias. A banda já declarou pretender lançar o disco ainda esse ano.
Abrindo os ouvidos para o Choro


Lá estava eu, na livraria que também vende cds. Os coitados, uns poucos dividindo espaço com um universo de livros, estavam colocados no segundo andar, esquecidos num canto. A poeira, já assentando, caia também em alguns bons discos de jazz, outros nem tão bons de pop, e outros muito bons de rock. Na capa, nada mais que as duas palavras que batizam a banda, 'Tira Poeira', com uma foto em sépia.

Comprei o disco no cego. Arriscando não gostar. Nada tinha lido sobre o mesmo, não sabia em que ano ele havia sido lançado ou que tipo de música ele trazia, mesmo que a foto da capa denunciasse um som leve, acústico, feito com pandeiro e violão, os dois instrumentos que pulam do registro. A cegueira durou até chegar em casa, quando tirei o plástico que envolvia a capa do álbum e coloquei o disquinho para tocar. De cara, veio aquele som estridente do cavaquinho. E eu, bom roqueiro que sou, surpreendentemente não enraiveci. O pé começou a bater junto com o pandeiro, que veio logo depois.

Não que eu seja fechado para as manifestações musicais originárias na minha terra. Mas, longe de ser ufanista, prefiro as guitarras distorcidas ao violão bossado. O bom da surpresa de ter comprado um disco de choro é que, mesmo não sendo fã do estilo, aquelas notas dedilhadas e palhetadas foram me conquistando aos poucos. E decidi abrir os ouvidos para o chorinho do Tira Poeira.

Formado pelos jovens, mas experientes, Caio Márcio (violão), Henry Lentino (bandolim), Samuel Deoliveira (saxofones), Fábio Nin (violão 7) e Sérgio Krakowski (pandeiro), o som do grupo, que passou bons anos tocando nas noites da Lapa, no Rio de Janeiro, é, com o perdão do trocadilho, bem lapidado. As influências mais diretas, mas veladas, não posso identificar, podendo afirmar apenas que foram bem aproveitadas. Nada parece com nada nas suas composições, e não percebi nenhuma referência direta a clássicos do chorinho, o que já denota personalidade e criatividade por parte da banda.

A história do grupo se resume, como acontece com as grandes bandas, a encontros casuais. O bandolinista Henry Lentino saiu de Porto Alegre para o Rio, em busca de parceiros no mundo da música. Lentino começou a terçar cordas com o violão de 7 de Fabio Nin, que terminou por agregar o caçula Caio Márcio, com seu violão. De conversa em conversa pelos botequins do bairro da Lapa, chegaram o pandeirista Sérgio Krakowski e outro "imigrante" no berço do chorinho carioca, o saxofonista catarinense Samuel de Oliveira.

O mais complicado para mim, reles apreciador médio de chorinho e grande apreciador dos versos das canções, foi encarar um álbum inteiro sem letras próprias a serem associadas à melodia das músicas. Mas esse terminou por ser um problema fácil de ser contornado. A cadência das composições, associadas à beleza e jovialidade dos arranjos, tornou as músicas um conjunto tão bonito que a assimilação foi simples. Satisfação garantida.

Para amolecer ainda mais o ouvido, três clássicos do samba foram interpretados pelo Tira Poeira: Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, cantada por Teresa Cristina; O Mundo é um Moinho, de Cartola, entoada por Pedro Miranda e Três Apitos, de Noel Rosa, na voz de Mariana Bernardes.


Tira Poeira - Tira Poeira

Murmurando
Receita de Samba
Três Apitos
Delicado
Caminhando
Segura Ele
Vê se Gostas
O Mundo é um Moinho
Carioquinha
Peguei a Reta
Folhas Secas
Santa Morena
Cadência


Coluna originalmente publicada na edição do dia 09.08.05 do Caderno Torquato do Jornal O DIA
Um som louco e são vindo de Parnaíba


Confesso: os contatos que eu tinha com a música piauiense foram se estreitando depois que eu entrei na universidade. Antes, mesmo indo para alguns shows de bandas de fora para ver os conjuntos daqui, eu pouco me ligava na produção deles. No máximo curtir o primeiro cd do Narguilé e achar soda o lançamento do cd da Brigite Bardot lá do 4 de Setembro.

Aí veio a virada. Por intermédio de amigos que fiz na UFPI, passei a freqüentar o projeto Boca da Noite, quando ele ainda dava espaço pra produção rocker (pra ser bem Rúcio Libeiro aqui...) da cidade. Lá vi Káfila, vi Mano Crispim, Ranagrama, Roraima e Sérgio Matos, e Teófilo. E comecei a me interessar, principalmente pelas composições dos três últimos, que iam me mostrando um lirismo interessante, que eu não sabia que existia por aqui. Ignorância mesmo, pode acusar.

Quando o Teófilo, oriundo de Parnaíba, lançou o primeiro trabalho, Teófilo Confusão, eu ainda me ligava pouco no som que ele estava fazendo. Escutava algumas músicas nas rádios daqui e só. Depois do Boca da Noite, passei a me interessar mais. Cacei o primeiro trabalho, escutei, gostei de algumas coisas, não gostei de outras, enfim, era um trabalho bem feito, mas que não me agradou completamente. Grande coisa... O mais interessante mesmo é que Teófilo pouco se vale de covers para seus shows. Ele se garante é no material próprio mesmo.

Enfim... passei a me ligar mais e mais em coisas da nossa terra, e o Teófilo passou a ser nome doce na nossa música, tocando em prévia de show, festival, palco médio, palco grande e as composições dele se destacando no meu ouvido. 'Cada vez mais' interessante, bem sacado, bem construído. Bem feito, principalmente, e por conta da banda que está acompanhando Teófilo há mais ou menos um ano e meio. Arthur Bohn na bateria (baterista versátil, rápido e técnico); Tiago Peixoto na guitarra solo e no violão-aço (outro que tem versatilidade como sobrenome. Já tocou de metal melódico a música latina); Cláudio Luz tocando baixo (músico técnico e criativo, que não faz apenas o 'acompanhamento' da guitarra, mas contribui, sem exagerar, para as melodias das canções de Teófilo) e Ferdinand Melo nos teclados (músico jovem que toca desde música clássica a reggae. E com a mesma competência) são os músicos que vão colorindo as composições de Teófilo.

E aí veio Matulão, segundo disco da carreira do cantor, que traz novamente o lirismo, mas num sentido mais 'evoluído', por assim dizer. Se em 'A volta do Zorro', Teófilo desafia a métrica e a dicção, com versos encadeados e enormes, o novo cd abre logo com um novo desafio, que é 'Jararacas' (uma canção, que conforme confidenciou Teófilo num festival pop da cidade, foi feita quando ele estava no Rio de Janeiro, divulgando seu trabalho e viu crianças num sinal de trânsito. Inspiração urbana pura), e tem a fórmula repetida em 'Papagai do cú pelado'. Mais para frente, temos, num álbum que tem 90% de composições do próprio Teófilo (apenas uma canção não é de autoria de Teófilo, a ótima 'Blef', escrita por Fred Maia) a canção 'Matemática', em que Teófilo vai brincando com as operações aritméticas mais básicas, somando beijos, subtraindo o que não é amor.

Em 'Blef', o sucesso do primeiro álbum e a previsão de sucesso deste segundo são confirmadas. "Ficou do blef a surpresa/o raio caiu de novo/em nossas cabeças". Em Fascinante, primeira canção da nova leva a ser incluída nos shows, Teófilo vai brincando com as rimas, e falando de vários tipos de fascínio. 'No Azul' traz uma bela letra, falando der amores correspondidos e referências a Raimundo Soldado.

Mas a melhor canção do álbum, na minha modesta opinião, é 'No Canto'. Letra, como um conjunto, bem feita, sincera, bem construída. Melodia simples, mas forte, compassada, cadenciada. E os melhores versos do disco. "E a tardinha quando vir o pôr do sol/darei boa noite com respeito pra vizinha/e depois do jantar/eu lembrarei que em algum lugar há uma mulher só minha" traz o conformismo progressivo que se ganha com os anos, completado com os versos "depois da queda quando o telefone me acordar/e me chamar/para o trabalho eu vou levantar/e lembrarei com horror/que um outro dia escroto começou...". E é assim.


Teófilo - Matulão

Jararacas
Siô
No Canto
Matemática
Blef
Broa
Fascinante
Papagaio do Cu Pelado
No Azul
Irreversível
Dualidade
Flores e Línguas
Sempre
No Azul (remix)
Space (remix)
Cabeça de Cuia (remix)


Coluna originalmente publicada na edição de 16.08.05 do Caderno Torquato do Jornal O DIA

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Uma nova percepção para o hardcore


Não vou mentir... de hardcore eu sei o nome, a velocidade, a energia e a ojeriza que vários amigos meus têm pelo estilo. Isso seria o suficiente, para um ouvinte médio como eu. Mas o álbum novo do Káfila, Playground, que saiu agora em agosto, traz bem mais do que o ouvido médio pode pedir ou sacar. Vai além.

Não são apenas guitarras distorcidas demais, baixo marcado demais ou bateria bate-estaca demais. Vai além.

Não são apenas letras 'berradas'. Vai além.

As oito canções colocadas nessa bolachinha que o Káfila [que é formado por Rubens nas guitarras e voz, Sandro na bateria e voz e Fernando no baxio e vox] gravou em fevereiro do ano passado, mixou esse ano, em abril e junho, e só saiu agora em agosto, já vinham acompanhando a banda nos shows aqui na Capital e fora dela. O empecilho em gravar esse material antes foi grana. Com a parceria fechada com a SuperOil Records, o cd finalmente pode sair, com divulgação garantida.

Da minha pessoa, já eram conhecidas (e curtidas) as fantásticas 25b/s [Porra! Caiu! Esfrie a cabeça e tente novamente], e Folia [Não decorei o samba-enredo. Tentei ignorar a folia]. As outras seis foram gratas surpresas. Com os vocais divididos entre os três integrantes da banda, fica um pouco complicado sacar quem canta o que, se não for conferir no encarte. Alias, as letras das canções só começam a fazer sentido depois de ir acompanhando com o encarte. Pra mim, o principal bloqueio com o estilo é esse, já que eu nunca consigo entender de cara o que o vocalista está dizendo.

Mas como eu já disse em outras colunas, não é só a letra que me faz sentir uma banda. As melodias, a energia e principalmente a criatividade são os principais pontos, que às vezes sobrepõe até as letras [como no caso do antigo Raimundos, por exemplo]. E se não dá pra entender as letras de cara, energia e criatividade esses moços têm de sobra.

Em Folia, arranjos estranhos, com uma introdução menos direta [mas nem por isso 'enrolativa'] e uma cadência diferente do que eu esperava. Em entrevistas passadas com Fernando, ele me dissera que a banda intencionava mais, colocando naipe de metais nessa canção. Ficaria ainda mais interessante. Em Novestruturas, um hardcore mais direto, mais 'bate-estaca', por assim dizer. E uma letra bem ácida: 'Novas estruturas são senzalas pós- modernas/Novas estruturas são sementes do terror/Novas estruturas mostram as velhas seqüelas/ Novas estruturas. Novas cores pra velha dor', traduz a banda, sem completar o recado: que estruturas? Que dores?

Em 'Canção pra ninguém', os versos vão dedicando a canção 'pra você que não gostou, pra você que foi embora [...] pra você que torceu contra e mesmo assim não adiantou'. Singelo, não? Mas não é só para ser grosseiro ou singelo, num antagonismo bobo. Esse é um trabalho maduro, que tem muitas coisas a serem descobertas, arranjos a serem digeridos, longe dos lugares-comuns que cercam o hardcore.

Depois da oitava faixa, vem surpresinhas, pra quem saber esperar... "Hello I Love" do The Doors, que a banda tocou durante alguns shows. Essa é uma versão mais rápida e puxada pra Ska-core; Naked in Front of The Computer do Faith No More, que entrou no tributo virtual Brazilian Sabor e Nasty Song 99, que tinha saiu na coletânea da Tamborete, 'Apocalipse 2000', essa aqui gravada ao vivo no Micarock 2004. Mas os clássicos da Káfila encobrem esses covers. Como eu disse lá no início... vão além.


Káfila - Playground

Rasguem meu testamento
Ao seu redor
25 b/s
Canção pra ninguém
Chaos delivery
Folia
Novas estruturas
Mais perto do que longe, mas ainda falta um bocado
Hello I love you (BÔNUS)
Naked in front of the computer (BÔNUS)
Nasty song 99 (BÔNUS)

Coluna originalmente publicada na edição de 06.10.05 do Caderno Torquato, do Jornal O DIA.
Sentimentos à flor da pele


Certa vez eu participei de uma banda muito estranha que misturava bossa nova com Sonic Youth e outras loucuras... O vocalista dessa minha banda cantava também em outra, essa de emocore apaixonante, coisa linda de deus. A namorada do guitarrista base da banda de emo tinha ido a Recife e lá, conhecido uma banda da terra chamada Mombojó. O ano era 2004 e das 15 canções do grupo eu só consegui gostar de duas. Esse foi o meu calvário para encontrar o Mombojó. Viva a maturidade.

Um ano e um bucado se passou desde então e hoje, dois aninhos de álbum gravado e lançado, a coisa é bem diferente. Os homens do Mombojó, septeto formado pelos jovens Felipe S (voz), Samuel (baixo), Vicente Machado (bateria), Marcelo Machado (guitarra), O Rafa (flauta), Chiquinho (teclado e sampler) e Marcelo Campello (violão, cavaquinho e escaleta), já rodaram o Brasil, fizeram shows em Sampa com casa lotada, fizeram Abril Pro Rock, tocaram na França e fizeram um show por essas bandas.

A empatia, dessa vez, foi totalmente diferente. A proposta da banda de disponibilizar em seu site todas as canções do seu primeiro álbum, chamado ironicamente de nadadenovo (a música é uma constante charmosa repetição), me deram oportunidade de conhecer mais um pouco do trabalho da banda. O ouvido agora já estava calejado e percebeu muito melhor as sutilezas da poesia da banda.
O som do Mombojó é forte. Por que se eles misturam música brasileira (samba/bossa nova) com ritmos americanos (hip hop) e com a música eletrônica, de cara você já sabe que eles não são "mais uma bandinha que toca rock cheio de groove, uma alfaia truando e a guitarra roncando". Não, eles não são mangue beat. São 'sem estilo pré-definido'. Quer melhor? Quer força maior?

O disco abre com 'Cabidela'. "Tudo vermelho, os meus olhos pegando fogo. Minha paciência encardida, meu sufoco" vai cantando Felipe, destilando veneno e poesia sobre uns tecladinhos sacanas e bem sacados. Daí vem o grande hit do grupo, a belíssima 'Deixe-se Acreditar'. A letra toda é de uma poesia sem fim, sobre uma base que mistura bateria eletrônica e o groove de Vicente. Coisa cadente, pulsante, viva. "Deixe-se acreditar, nada vai te acontecer. Tudo pode ser, nada vai te acontecer, não tema. Esse é o reino da alegria!". É o reino da alegria mesmo.

Mas não pára por aí... Tem mais coisa... 'Nem Parece' é uma canção que fala de pessoas que não acreditam na sensibilidade das outras. Se não for isso, qual a razão de cantar "nem parece que o que aconteceu repercutiu demais pra mim, nem parece que minhas lágrimas tiveram fim. Nem parece que eu chorei, nem parece que eu quis chorar"? Nas próximas duas canções, encaixadas, os versos "Parece ser difícil, mas não. Tá todo mundo dançando a nostalgia do verão", de 'Discurso Burocrático' e "Um dia todo mundo vai morrer. Eu quero saber o que vai acontecer quando esse dia chegar e você não estiver a me esperar para me dizer como foi lá" de 'A Missa' traduzem uma preocupação com o agora e com o depois, com a satisfação e a inquietude. 'Adelaide' traz versos confidentes. "O que eu entendo por ser meu é tudo que eu posso te dar. O meu amor, mas primeiro eu. Preciso saber se você vai gostar" é a tradução da insegurança frente um novo relacionamento. Primeiro eu, depois você. Egoísmo básico e necessário.

Mas o arrebatamento vem mesmo em 'Faaca'. "Eu não acredito em tudo que eu mais quero, mas vivo a sonhar com você a me beijar. E essa dor que sara faz viver e acordar pra mim. Eu quero ver você dançar em cima de uma faca molhada de sangue enfiada no meu coração" é tudo que diz a letra dessa canção e não precisa dizer mais nada. Mesmo.


Mombojó - nadadenovo

Cabidela
Deixe-se Acreditar
Nem Parece
Discurso Burocrático
A Missa
Absorva
O Céu, O Sol E O Mar
Adelaide
Duas Cores
Estático
Merda
Splash Shine
Faaca
Baú
Container


Coluna originalmente publicada na edição de 05.07.05 do Caderno Torquato, do jornal O DIA.
Tim Burton em melodias


Acompanho o trabalho desse rapaz desde a época do Los Hermanos. Baixista de marca maior, mas que começou na bateria, Patrick Laplan teve aulas com os deuses do grave no Brasil [como Nico Assumpção e Arthur Maia - esse último entrevistado por mim em 2005, no Festival de Inverno de Pedro II - PI] e, como músico natural, desenvolveu uma técnica invejável.

Isso pode ser percebido, além do primeiro disco do Los Hermanos, em que ele mostra bem o que sabe, nas várias participações em gravações de outros artistas que Patrick fez. Tom Bloch, Biquini Cavadão, Rodox, MV Bill... a lista é imensa.

Só que, como sempre, cada qual com seu cada qual. E nessa de fazer as coisas seguindo seu próprio instinto, Patrick montou o Eskimo. Lembro quando recebia os informes, com a banda sendo uma coisa distante. Hoje, a coisa já tem EP [lançado em 2006], making of do disco [no YouTube, mas abaixo você ver...], ex-vocalista e seletiva para um novo.

As faixas que você pode escutar no MySpace da banda são as mesmas disponíveis no site do grupo, misturando referências bem claras de Muse, Mars Volta, Tim Burton. Mas embora você não consiga escutar tudo o que o Eskimo pode mostrar, as imagens começam a surgir na sua cabeça. Os climas das músicas, as mudanças de andamento, os instrumentos indo cada um pro seu lado... Tudo leva a crer que o projeto, capitaneado pelo perfeccionista Laplan, não fez nada por acasou ou no susto.

Junto com o vocalista Henrique Zumpichiatti [lembra da banda Infierno, que fez rebuliço à época da bolha do new metal com uma versão de Construção de Chico Buarque?], o Eskimo tomou forma de pandemônio e coisa linda de deus.

Quatro musiquinhas fazem a festa de quem sabe dançar rock e está a fim de bater cabeça, requebrar e dar gritos bem agudos. A seleção para o novo vocalista está de vento em popa e novas músicas também estão a caminho. Fique esperto! E curta, de lambuja, o making of do EP da banda abaixo. Explica muita coisa...


Eskimo - EP

A Curva
Canção Para os Amigos
O Grande Crime
Homem ao Mar




e...



O início da volta do retrô no rock


Um rasgadinho aqui, uma franjinha ali, uma guitarrinha 80´s acolá... Foi assim que muita gente definiu a banda nova-iorquina The Strokes, quando o boom da patota aconteceu. O ano era 2001 e mais uma vez o rock tinha morrido, não se tinha grandes bandas novas, com sangue e alma renovados. Aí esses guris começaram a fazer zuada lá em NYC, e sem quê nem pra quê, se picaram pra Londres, tentar a sorte por lá...

De banda totalmente desconhecida, o Strokes (formado pelo vocalista Julian Casablancas, os guitarristas Albert Hammond Jr. e Nick Valensi, o baixista Nicolai Fraiture e o baterista Fabrizio Moretti, que nasceu no Rio de Janeiro), com suas três cançõeszinhas (Last Nite, Hard to Explain e The Modern Age) fizeram o povo de Londres ficar de queixo caído. Os shows começaram a lotar, com ingresso sendo disputado a tapa, facada, tiro e o escambau. Daí pra consagração foi, como eu gosto de dizer, um pulo. Gravadora disse 'vem cá, meu nego' e os Strokes lançaram 'Is this it' no finalzinho de 2001. Depois do petardo, veio outra bomba. Os meninos passaram no teste de fogo do segundo disco, e o 'Room on Fire' dos caras ainda vai pintar por essas bandas em breve. Um terceiro álbum já está quase na fôrma, para ser prensado.

Mas a coluna versa mesmo é sobre o 'Is this it', de 2001. A redenção foi imediata. O título do álbum já dava um direcionamento do que eles iam falar. 'É isso mesmo?'. Niilismo completo. Os rapazes, a maioria vinda de famílias cheias do tutu e acostumadas a flashes e coisas assim, já sabiam como era o lance do sucesso. Por isso, 'nem te ligo'. Muita gente condenou a banda a um 'grupelho de mauricinhos', mas o impacto das canções desse primeiro álbum calou essas bocas. Eles podem até ser mauricinhos, mas fazem música boa. As doze canções do álbum chamaram a atenção de meio mundo de gente e dá-lhe festival pro Strokes participarem. A banda, que era muito rotulada por conta de um retorno incessante à década de 80, foi comparada com Velvet Underground, Television e Blondies. Mas era bobagem. Os caras manjavam do assunto. A cartilha era ser rápido, pungente, moderno, retrô, e urbano. Claro... Vindos de New York, como não serem urbanos?

Essa urbanidade ficou provada, não só no vestuário da banda, que passou a ser imitado constantemente pelos indies de plantão, mas principalmente nas letras das canções. Todas as canções, com exceção de 'Last Nite', que virou arroz de festa e fala de amores rápidos e intensos e coisas afins, falam, de uma forma ou de outra, de problemas, conflitos, mudanças, adaptações e coisas 'urbanas'. Essas coisas urbanas falam de tanta coisinha...

O fato é que se tem poesia urbana a balde, retratando conflitos por conta de filosofias de vida, hora para ir pra casa, droga demais, vícios demais, sexo demais, coisas demais. Mas temos também muito amor e vontade de ficar. É mais fácil entender com exemplos. No caso de Is This It, Casablancas manda dizer que "oh querida, você não está vendo? São eles, não sou eu/nós não somos inimigos, nós só discordamos". Claro! Óbvio, ululante... Duas pessoas que não concordam com alguma coisa não precisam necessariamente se matar. Respeito... Mais para frente temos The Modern Age, que rasga o verbo dizendo "pare de fingir, pare de ficar fingindo/parece que esse jogo não vai acabar nunca".

É difícil ir citando os versos das canções, por que cada uma dela tem algo para falar e fala realmente. Como em Soma, a terceira canção do disco. O título e a letra fazem uma referência à santa droga descrita no livro Admirável Mundo novo, de Aldous Huxley. O soma fazia os personagens do livro ficarem calmos e dormentes, longe da realidade e dos problemas. Então a letra vai dizendo, descaradamente, que essa droga continua (ou não) sendo usada. "Soma é o que eles tomam/Quando os tempos difíceis abrem os seus olhos/Viram a dor de um novo jeito". E o quê que a gurizada mais faz pra fugir da realidade? Pois é... O resto do álbum é todo recheado de pérolas assim. Expressões vivas e berradas, acordes rápidos, solos bacanas, bateria socada, baixo sem invencionice. Tudo do bom e do melhor.

The Strokes é uma banda de futuro promissor, que já se consolidou no cenário indie alternativo rock retrô qualquer que seja o rótulo da vez. O meu medo é que como os caras são porra-louca, eles comecem a tomar pico ou qualquer coisa assim, morram de overdose e a banda acabe... O rock atual iria perder bastante.


The Strokes - Is This It

Is This It
The Modern Age
Soma
Barely Legal
Someday
Alone, Together
Last Nite
Hard To Explain
New York City Cops
Trying Your Luck
Take It Or Leave It

Coluna originalmente publicada no Jornal O Dia, no caderno Torquato, na edição do dia 19.07.05
O poder do baião


Luiz Gonzaga do Nascimento, compositor, cantor e instrumentista, nasceu em Exu - PE (13/12/1912) e faleceu em Recife - PE (2/8/1989). Filho do sanfoneiro Januário, que tocava em bailes e nas horas vagas consertava sanfonas, aprendeu a tocar o instrumento com o pai. Nascido numa fazenda, desde pequeno trabalhou na roça, tocando em forrós e feiras. Já era relativamente conhecido como sanfoneiro, quando, em 1930, fugiu de casa e foi para Fortaleza-CE, onde ingressou no Exército.

Essa poderia ser uma breve história do homem que adotou o nome de Luiz Gonzaga como marca de um vaqueiro que sabia tocar safona e retratou como poucos a realidade do sertão nordestino.

Quando estava no exército, durante a Revolução de 30, o batalhão no qual Gonzaga servia deslocou-se para a Paraíba e outros Estados do Nordeste, seguindo depois para Juiz de Fora MG. Lá conheceu Dominguinhos Ambrósio, famoso sanfoneiro mineiro que também estava no Exército e com quem estudou, além de aprender as músicas mais populares no Sul.

Essas músicas populares do Sul serviram para Luiz abrir espaço na cena artística do Rio de Janeiro, onde passou a viver depois de dar baixa no Exército. Tanto mexeu, tanto virou, tanto tocou que terminou por conseguir cada vez mais espaço na cidade. Durante uma das festas em que tocava, um grupo de estudantes cearenses puxou a orelha do Velho Lui, um dos muitos apelidos que o artista ganhou. A cobrança era para que o artista tocasse mais composições de sua terra e que lembrasse seus costumes e experiências. Crítica ouvida e assimilada, Luiz Gonzaga passa então a entoar os 'cantos de sua terra'.

Uma das amostras mais significativas desse canto, quando o artista, já calejado das intempéries do cenário musical, fez o show no Teatro Teresa Raquel, que originou o álbum Volta pra Curtir: ao Vivo, um lançamento de 2001 de uma obra que foi realizada em 1972.

As músicas executadas nesse show dão muita liberdade interpretativa, além de uma possibilidade de improvisação fora do comum, características que Luiz sabia aproveitar muito bem. Alguns dos clássicos cantados nesse álbum são Boiadeiro, Cigarro de Paia, Lorota boa, Oiá eu aqui de novo, Asa Branca, Volta da asa branca, Assum Preto, Ana Rosa e Estrada de Canindé.

Em Boiadeiro, Gonzaga faz um retrato da realidade que o cerca, mostrando, como em várias outras canções, as experiências que teve com seu pai e durante sua vida. "De manhazinha quando eu sigo pela estrada/Minha boiada pra invernada eu vou levar/As cabeça é muito pouco é quase nada, mas não tem outras mais bonitas no lugar", canta Luiz Gonzaga de forma lenta e compassada, saboreando as sílabas, como se a cada palavra falada a imagem se formasse diante de seus olhos e ele esperasse até o último segundo para passar para a próxima palavra e imagem.

Na música Estrada de Canindé, mais uma vez a realidade do campo é recriada nos versos do Gonzaga. A distância entre o desenvolvimento da cidade grande e a simplicidade do sertão inspiraram Luiz a cantar e homenagear os versos marcantes dessa canção. "Que bom, que bom que é/Uma estrada e uma cabocla/Cum a gente andando a pé/Que bom, que bom que é/Uma estrada e a lua branca/No sertão de Canindé", vai dizendo Lui. Uma verdadeira amostra de como o amor pela sua origem, mesmo que sendo cruelmente seca, pode originar resultados tão bonitos.


Luiz Gonzaga - Volta pra Curtir

Boiadeiro
Moda da mula preta
Siri jogando bola
Qui nem giló
Asa branca
Assum preto
Hora do adeus
Estrada de Canindé
Numa sala de reboco
Adeus, Rio
No meu pé de serra
Pau de arara
Derramaro o gai
A feira de Caruaru
Olha a pisada

Coluna originalmente publicada na edição do Jornal O Dia, no Caderno Torquato de 26.07.05
O poder da voz de Gal


Bicho cara doido... Vou começando a coluna assim assim de maneira meio desconexa, vou lembrando de como esse som que eu comento hoje caiu nas minhas mãos (o amigo Igor Cordeiro, nas suas chafurdações, achou essas pérolas), das coisas todas que eu quero falar sobre esse disco, que depois de tanto tempo (pois lá se vão longos 36 anos desde o seu lançamento), permanece, não só atual, mas muy cativante. Por que não basta ser bom, tem que cativar.

Eu estou falando do disco 'Gal Costa', da mesma, que foi lançado nos distantes anos de 1969, pela Philips. Menina baiana nascida nas terras soteropolitanas, Gal recebeu incentivo do seu velho pai cantar e foi cantando em festas e onde mais dava. A virada veio em 1963, quando Gal Costa esbarrou nos manos Caetano e Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé. Foi a 'revelação'. Desse esbarrão surgiu um show chamado 'Nós, por Exemplo', que foi providencial para a ida da patota para Sampa, a 'melhor cidade da América do Sul', onde as coisas 'começaram a acontecer'.

O primeiro compacto da moça Gal foi em 1965, com canções de Gilberto Gil e Caetano. Em 1967 gravou o álbum 'Domingo' com Caetano e logo depois o primeiro álbum-solo, em 1968, chamado 'Gal', que há de ser comentado futuramente nessas linhas. Como a história nos lembra, em 1969 Gil e Caetano estavam no exílio e Gal se ligou a outras figuras do movimento tropicalista, como Jards Macalé. Foi então que nasceu o álbum do qual falo nessa coluna. Um detalhe chato da carreira de Gal é que depois de 1979 ela entra numas de ser mais comercial e perde todo (ou quase todo) o experimentalismo que chocava tanto nos outros discos.

A primeira canção desse disco é a ótima 'Cinema Olympia', que de cara dá o tom do álbum todo. Não há normalidade pré-definida. "Não quero mais essas tardes normais", berra incrivelmente alto e agudo a jovem Gal Costa. E é verdade. Musa da Tropicália, Gal cantou muitas coisas que não são compreendidas de início, que iam contra as tardes normais da ditadura. Esse é um dos pontos que também surpreendem nas primeiras audições de Gal. Ela grita muito, com muita vontade, tesão e técnica. Nada daqueles gemidinhos e sussurrinhos da década de 80. Viva o experimentalismo da Tropicália. Os solos de guitarra que abrem a canção, acompanhados por um baixo 'nervoso' dava só uma idéia do rock/baião/baladas e outras experimentações mil, feitas em estúdio. Outro ponto alto dessa canção é o duelo voz X guitarra. Coisa só comparável a Ian Gillan e Robert Plant.

Das canções que Gal mostra nesse disco, nenhuma é de Gal. Mas as participações são muitas. Ben Jor, Caetano, Jards e Gilberto Gil. Nomes que ajudaram a criar a base onde a jovem Gal poderia se firmar. De Gilberto Gil ela canta 'Cultura e Civilização', na qual ela contesta tudo ('A cultura e a civilização, elas que se danem, ou não'). 'País Tropical', cantada junto com Caetano e Gil emociona, pela leveza e jogo de vozes. 'Com Medo, Com Pedro' mostra uma Gal disposta a ganhar o mundo grande, independente dos perigos que ele traga ('Deus me livre de ter medo agora, depois que eu já pus os pés no mundo'). Em 'Meu Nome é Gal', a moça vai cantando o amor livre, tão em voga naquela época ('E não faz mal que ele não seja branco, não tenha cultura, de qualquer altura eu amo igual. [...] não me importa que ele não tenha sobrenome, pois é o amor que faz o homem').

Mas tem mais. Muito mais. O bom é ver que Gal não foi sempre pop/comercial, mas que um dia teve (e deve ainda ter) um pouco de loucura na garganta pulsando para sair. Gal tem suingue, ou teve, e a gente fica naquela de pensar 'por que raios ela deixou de cantar assim?'. Mas não dá pra pensar assim. São coisas da sina do artista se satisfazer também. O bom é que antes de mudar ela deixou esse álbum tão sincero e pulsante.

Gal Costa - Gal Costa

Cinema Olympia
Tuareg
Cultura e civilização
País tropical
Meu nome é Gal
Com medo, com Pedro
The empty boat
Objeto sim, objeto não
Pulsars e quasars

Coluna originalmente publicada no Jornal O DIA, no Caderno Torquato de 28.06.05
Quando a filosofia invadiu o rock brasileiro(?)


Para essa primeira semana escolhi um tema que, à primeira vista, parece simples, mas nem de longe o é. Lá nos idos de 1984/1985, a Legião Urbana conseguiu que a EMI escutasse uma demo da banda. Os executivos do selo se interessaram pelo vozeirão de Russo e pelas letras contestatórias e chamaram os rapazes para um teste. É aqui que começa a dificuldade. Depois que os quatro guris entraram no estúdio, a história da música brasileira não foi mais a mesma (filosofia invadiu o rock, que muitos diziam ser chupado lá da England... enfim... balaio de gato rock n´ roll...) e o número de fãs aumentou em progressão geométrica, minuto a minuto. Por isso, falar da Legião Urbana é sempre um perigo.

O processo de gravação envolveu algumas rusgas com produtores e entre a própria banda. Mas esses problemas eram apenas inexperiência, coisa que se resolveu com o lançamento do álbum. A EMI pouco confiava, mercadologicamente, no quarteto (formado por Renato Russo nos vocais, Dado Villa-Lobos como guitarrista, Marcelo Bonfá na bateria e Renato Rocha tocando baixo). Isso por que eles se pareciam com o recém-estourado Paralamas do Sucesso, e a gravadora não pretendia investir muito em 'mais do mesmo'. Com uma divulgação relativa, a primeira prensagem do álbum teve uma venda mais do que satisfatória e as rádios foram jogando o disco completo, música a música, nas listas diárias.

Das 11 músicas que estão nessa bolachinha, só a última, a melancólica e estranha 'Por Enquanto', foi feita durante as gravações. O resto era, de certa maneira, material já criado, quando Renato Russo ainda era o 'dono' do Aborto Elétrico. Abrindo os ouvidos para enxergar além dos clássicos desse álbum ('Será', 'Ainda é Cedo' e Geração Coca-Cola'), podemos perceber pérolas que mostram a preocupação que Renato tinha com o que acontecia à sua volta.

Jovem nascido e criado na ditadura, Russo compôs 'A Dança', que fala de jovens acostumados a excessos ('você não tem idéias para acompanhar a moda, tratando as meninas como se fossem lixo, ou então espécie rara, só a você pertence'), 'Soldados', canção que aborda o amor recém-descoberto entre dois milicos ('não sei armar o que eu senti, não sei dizer que vi você ali [...] quem vai saber agora o que eu não fiz, como explicar para você o que eu quis'), 'O Reggae', hino que brada as violências da Escola como instituição ('[...] o meu primeiro diz na escola, como eu senti vontade de ir embora, fazia tudo que eles quisessem, acreditava em tudo que dissessem') e o maior clássico de todos, 'Baader-Meinhof Blues', canção que abre dizendo que 'a violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais'... Quer coisa mais atual...? É por essas e outras que ouvir os álbuns seguintes da Legião dá uma certa gastura... O que começou inspirado no punk inglês do Sex Pistols e outros mais, com um talento contestatório de dar inveja, abre espaço (demais) para o amor e suas desilusões (principalmente a partir do quarto álbum do grupo, o 'As Quatro Estações'). E assim, a banda que protestava contra as injustiças do mundo deu lugar àquela coisa pungente que Renato Russo tanto sabia fazer e que conquistou muitos outros fãs. Mas isso é assunto para outro artigo.


Legião Urbana - Legião Urbana

Será
A Dança
Petróleo do Futuro
Ainda é Cedo
Perdidos no Espaço
Geração Coca-Cola
O Reggae
Baader-Meinhof Blues
Soldados
Teorema
Por Enquanto

Coluna publicada originalmente no Jornal O Dia, no Caderno Torquato da edição de 21.06.07

domingo, 17 de junho de 2007

Como já dito...

Nos próximos posts, para movimentar a coisa toda, coloco no ar uma série de artigos que escrevi na época em que tinha uma coluna sobre música no jornal O DIA. Na época, elas eram tudo que eu tinha a dizer sobre música. Acho que era pouco, hoje tenho mais bagagem e esse blog é um início disso. Em breve, novidades, todas de uma vez só.

Por enquanto, vão descascando as antigas colunas.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Início

Tudo começa aos poucos, claro.

Música, resenha de shows, festivais, discos, mp3, dicas de myspace e o caralho a quatro.

Tá afim? Vai lendo aí, então.